A Hermenêutica do Sujeito - Uma Visão Geral
Na primeira aula do curso "A Hermenêutica do Sujeito", proferido por Foucault, a principal questão levantada refere-se ao próprio nascimento da filosofia. Partindo do estudo de uma nova possibilidade de interpretação do preceito délfico "gnôthi seautón" (conhece-te a ti mesmo) à sombra de um preceito mais abrangente, a saber, a "epiméleia heautoû" (cuidado de si), Foucault faz uma genealogia das relações entre sujeito e verdade.
Apropriando-se do cuidado de si e usando-o como parâmetro, o gnôthi seautón é visto como uma questão fundadora na filosofia, mas seu significado não possuiria o valor que lhe conferimos, ou seja, o "conhece-te a ti mesmo" no sentido filosófico do termo. A concepção de que a filosofia não é algo exclusivamente do campo cognitivo é, então, ressaltada.
Segundo Foucault, "o que estava prescrito nesta fórmula não era o conhecimento de si, nem como fundamento da moral, nem como princípio de uma relação com os deuses". A filosofia seria, antes de tudo, um modo de vida mais brilhante, mais feliz. O pensamento filosófico "serviria" como uma terapia diante do sofrimento, da angústia e da infelicidade. A razão pela qual a epiméleia heautoû foi desvalorizada na tradição filosófica será um dos alvos instigantes desse curso de Foucault e para isso fará um levantamento histórico, visitando perspectivas que fugirão das interpretações tradicionais. Roscher e Defradas trouxeram novas propostas de interpretação do terceiro preceito délfico (o gnôthi seautón, ou "conhece-te a ti mesmo") que foram muito relevantes para a pesquisa foucaultiana, pois representam, de certa maneira, um contraponto à exaltação do caráter cognitivo de tal preceito.
Segundo Roscher (1901), o gnôthi seautón significa: "no momento em que vens colocar questões ao oráculo, examina bem em ti mesmo as questões que tens a colocar, que queres colocar; e, posto que deves reduzir ao máximo o número delas e não as colocar em demasia, cuida de ver em ti mesmo o que tens precisão de saber". Para Defradas (1954), o "conhece-te a ti mesmo" seria o preceito segundo o qual é preciso continuamente lembrar-se de que, afinal, é-se somente um mortal e não um deus, devendo-se, pois, não contar demais com sua própria força nem afrontar-se com as potências que são as da divindade". Ambas as interpretações exigem um auto-exame, uma reflexão acerca de maneiras, de ações que tomamos no mundo e austeridade. Encontramos "um esforço de vigilância que intensifica a imanência a si mesmo", segundo Frédéric Gros. Isso porque conhecer-se não é se dividir e fazer de si um objeto separado que seria preciso descrever e estudar, pois o sujeito é mais amplo que o conhecimento. Assim como a filosofia.
Foucault pensa a filosofia vinculada à espiritualidade, pois aquela possuí heranças das chamadas “tecnologias de si” ou “artes da existência”. Na introdução de sua História da Sexualidade 2- o uso dos prazeres, diz Foucault: “deve-se entender, com isso, práticas refletidas e voluntárias através das quais os homens não somente se fixam regras de conduta, como também procuram se transformar, modificar-se em seu ser singular e fazer de sua vida uma obra que seja portadora de certos valores estéticos e responda a certos critérios de estilo”.
Entende-se aqui por espiritualidade como o conjunto de buscas, práticas e experiências. Assim completa Foucault na citada introdução: “essas ‘artes da existência’, essas ‘técnicas de si’, perderam, sem dúvida, uma certa parte de sua importância e de sua autonomia quando, com o cristianismo, foram integradas no exercício do poder pastoral e, mais tarde, em práticas de tipo educativo, médico ou psicológico.
Bibliografia:
FOUCAULT, M. A Hermenêutica do sujeito. Tradução de Márcio Alves da Fonseca e Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
GROS, Frédéric. "O cuidado de si em Michel Foucault". In: RAGO, Magareth; VEIGA NETO, Alfredo. Figuras de Foucault. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. p. 125-138.
FOUCAULT, M. História da sexualidade 2; o uso dos prazeres/ Michel Foucault; tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque; revisão técnica de José Augusto Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984.
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