sábado, 29 de maio de 2010

A DÚVIDA METAFÍSICA


A DÚVIDA METAFÍSICA

A dúvida metafísica representa o momento no qual a dúvida será levada até suas últimas consequências, estendendo-se ao campo de noções que até então eram desprovidas de qualquer dúvida.

Tendo colocado em dúvida a percepção sensível e a imaginação, Descartes, através do argumento do sonho, não encontra um critério de clareza e distinção que nos permita distinguir o sonho da vigília. Metodologicamente supõe que estejamos dormindo, mas, mesmo que suspendemos o mundo, a existência de coisas ainda mais simples e universais pareceria resistir a essa suspensão.

Tais noções primitivas seriam a base de todas as representações de coisas que existem em nosso pensamento e que, por sua vez, seriam objeto de estudo da matemática, a saber: “Desse gênero de coisas é a natureza corpórea em geral, e sua extensão; juntamente com a figura das coisas extensas, sua quantidade, ou grandeza, e seu número; como também o lugar em que estão, o tempo que mede sua duração e outras coisas semelhantes”. Essas ideias simples se apresentam como indubitáveis até o momento de radicalização excessiva da dúvida, na qual Descartes levanta a hipótese de um Deus enganador.

A dúvida metafísica visa atingir as verdades racionais, fazendo-nos suspender nosso juízo quanto à existência extra-mental dos objetos de tais ideias. A matemática, junto com as noções que estuda, poderia não corresponder ao real, uma vez que posso persuadir-me de que exista um Deus onipotente, e que por isso pode me enganar, que faça com que – no momento em que eu conceba uma coisa aparentemente desprovida de qualquer dúvida – eu me engane.

Tal possibilidade só é possível de uma maneira retrospectiva, pois no momento de uma demonstração não podemos duvidar se a acompanharmos no seu desenvolver. É importante exaltar que o problema da dúvida metafísica é o problema da correspondência, pois de que temos tais ideias não duvidamos, mas sim de sua correspondência com o real, abrindo a possibilidade de considerá-las fictícias. Dessa forma, Descartes postula que tenhamos somente os sentimentos de tais noções e que, pelo fato de nos enganarmos às vezes em relação as coisas de que temos mais certeza, talvez esse Deus deseje que nos enganemos a todo momento.

O problema da bondade colocado pelo termo “Deus” (um ser soberanamente bom) levanta questões, uma vez que, se ele é bom, não faria com que eu me enganasse. Entretanto, a contradição estaria no fato de permitir que eu me engane.

Para superar um obstáculo psicológico imposto pelo termo “Deus”, Descartes substitui o termo “Deus enganador” pelo termo “gênio maligno”, enfatizando ainda mais a possibilidade de existência de um ser que só se empenhe em nos enganar. A dúvida metafísica faz com que Descartes, nesse momento, nada afirme e nada negue com absoluta certeza, mas impede que o grande enganador, por mais poderoso que seja, nos imponha algo.