segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Suma Teológica


SUMA TEOLÓGICA

Pequenas notas


São Tomás de Aquino, em sua obra Suma Teológica, dá – mais uma vez – corpo a uma discussão capital entre os filósofos e padres medievais: as relações entre fé e razão, onde tenta nos mostrar até que ponto a razão pode conhecer a essência de Deus – uma vez que sua existência seria demonstrável – traçando, assim, o limiar entre esses dois princípios que guiaram toda uma filosofia.

Ao se apropriar das problemáticas impostas pelas relações entre fé e razão, articulando-as com as questões concernentes a Deus, Tomás de Aquino será partidário da ideia de que a razão não pode atingir todas as verdades, visto a impossibilidade de demonstrar certos dogmas “em si mesmos” – ou seja, unicamente por uma via racional. Entretanto, a razão poderia demonstrar o que se segue de um dado dogma e também sua possibilidade de ser racional e verdadeiro. Articula-se, porém, com a fé. Isso, a princípio, constitui um paradoxo, porém, mostra-se como coerente na filosofia de São Tomás, uma vez que a razão não pode evidenciar o cerne do dogma, mas poderia torná-lo aceitável mostrando a sua veracidade por outros olhos – os olhos da fé. Assim, podemos destacar dois princípios, agora demonstrativos: o da fé e o da razão. Entretanto podemos também evidenciar suas consequentes articulações:

Seja o problema de Deus; certas verdades relativas a Deus não podem ser demonstradas unicamente pela razão; é o caso do dogma da Trindade, por exemplo; tudo o que a razão pode fazer com relação a um tal dogma é mostrar que ele não é impossível racionalmente e explicitar as conseqüências decorrentes e ainda destruir as objeções que lhe são opostas. Em compensação, outras verdades relativas a Deus são suscetíveis de receber uma demonstração racional; assim a existência de Deus, sua unicidade, etc. (PÉPIN, 1983, p. 158)

As questões 2, 10 e 11 da Suma Teológica tratam, respectivamente, da existência de Deus, da eternidade de Deus e da unidade de Deus:

A questão de número 2 (a existência de Deus) busca explicitar Deus enquanto princípio e fim das coisas, principalmente da criatura racional – definição aristotélica por excelência do conceito de homem. Aqui, Tomás de Aquino rebaterá visões contrárias a sua filosofia, usando o seu direito de resposta contra as visões pagãs e tendo Aristóteles (“O Filósofo”) e a bíblia como condutores principais de sua argumentação.

Passará pela evidência, uma vez que ela se relaciona com os primeiros princípios da demonstração. A análise do significado do nome Deus também será importante, uma vez que para buscar a evidência de algo temos que partir de seu significado: essa busca, porém, não é árdua – não no sentido de desconsiderar o esforço filosófico –, pois a evidência se dá ao mesmo tempo – ou seja, de forma imediata – que o conceito:

Ora, basta compreender o que significa o nome Deus, e se tem logo que Deus existe. Este nome significa algo acima do qual não se pode conceber um maior; ora, o que existe na realidade e no intelecto é maior do que aquilo que existe só no intelecto. Assim, ao se compreender este nome, Deus, ele existe em nosso espírito e consequentemente na realidade. Logo, a existência de Deus é por si evidente. (AQUINO, 2001, p. 162)

Contra aqueles que negam a verdade, São Tomás argumentará que a própria negação da verdade implica a verdade. Se a própria negação, para quem nega, constitui uma verdade, a verdade deve existir necessariamente. Seguindo-se no Evangelho, Deus e verdade são uma só e mesma coisa; e se a verdade é evidente por si mesma, Deus também participa da simplicidade da evidência. Assim, o conhecimento geral da existência de Deus, porém confuso pelo desconhecimento de sua essência, está presente em nós, de acordo com Aquino. Isso, de certa maneira, nos guiaria na busca, mesmo que não conheçamos as causas, da felicidade e da verdade. A existência de Deus é assegurada pelo fato de que o predicado está contido no sujeito. Se retirássemos o predicado existencial, estaríamos comprometendo a ideia de perfeição, cometendo, assim, um absurdo. Se desconhecermos o vínculo entre sujeito e predicado, o caso de Deus constituirá uma evidência “por si em si mesma” – deixando de ser evidente por si e para nós –, mas não deixará de ser menos verdadeira por isso.

A possibilidade de demonstrar a existência de Deus também é colocada em questão, mesmo assegurada a sua existência. Tal nível da problemática é colocado em termos de comunicabilidade. Para São Tomás, há dois tipos de demonstração: uma pela causa (que parte do que é anterior de forma absoluta) e outra pelos efeitos (que busca a causa através dos efeitos – no caso de Deus, através de suas obras). Se a existência de Deus não for evidente para nós, ou seja, se ela for evidente “em si sem ser para nós”, nós podemos tomar conhecimento de sua existência através dos efeitos que conhecemos, diz São Tomás.

A prova da existência de Deus será proposta em cinco vias:

1- Utilizando-se das noções de potência e ato, tudo que está em movimento é engendrado por outro nesse caminho de “potencia a mover-se” para “o movimento em ato” (da potência ao ato). O regresso ao infinito nos conduziria à ideia de que “é preciso que tudo o que se move seja movido por outro” e “se o que move é também movido, o é necessariamente por outro, e este por outro ainda”. Seria necessário, então, chegar a uma causa primeira de todos os movimentos e de todas as passagens de “potências aos atos”: essa causa seria Deus, motor movido por si mesmo.

2- A segunda prova baseia-se na ideia de causalidade, pois na constituição dos efeitos sempre teremos a ação de certas causas. Há a necessidade de existência de uma causa eficiente primeira, pois o efeito não pode entrar em sua própria constituição e “se suprimos a causa, suprimos também o efeito”. Essa causa primeira seria Deus.

3- De fato as coisas são, mesmo as mortais – essas, porém, deixarão de ser um dia. Entretanto, para que as coisas sejam, algo teve que “começar a ser” ou ser desde sempre – o “começar a ser” implicaria um não-ser do qual o ser viria, o que não é compatível com a perfeição divina. Para que existam “entes” é necessário afirmar um ente primeiro que seja a necessidade dos outros. “Portanto, é necessário afirmar a existência de algo necessário por si mesmo, que não encontra alhures a causa de sua necessidade, mas que é causa da necessidade para os outros: o que todos chamam Deus” (AQUINO, 2001, p. 167). A explicação acerca do mal, por exemplo, será dada através de uma privação de bem, sendo que esse mal teria por objetivo, no regresso às causas, o de realizar um bem específico.

4- A quarta prova utiliza-se das aproximações valorativas que fazemos das coisas. Dizemos que algo é “mais ou menos”: bom, verdadeiro, justo, belo, nobre e perfeito. Tomás de Aquino dirá que só o fazemos por ter como referência algo que corresponde em si como “o máximo”: o ente em grau supremo, sendo Ele causa dessas mesmas qualidades. Deus, assim, seria a causa da perfeição através da qual faríamos referência em nossas valorações e comparações.

5- A quinta prova apoia-se na questão da finalidade. Há uma inteligência que direciona os seres a um certo fim, principalmente aqueles que não têm conhecimento.

A questão de número 10 discorrerá sobre a eternidade de Deus. Tal problemática nos leva a refletir sobre as relações entre tempo e eternidade, nos mostrando que tais conceitos não se confundem, assim como o segundo não pode ser submetido a uma medida, dada a sua simultaneidade.

São Tomás colocará nos seguintes termos essa questão: “a eternidade é inteiramente simultânea, ao passo que no tempo existe um antes e um depois. Logo, o tempo e a eternidade não são idênticos”. Tal simultaneidade é uma ultrapassagem da tríade de passado, presente e futuro, ao passo que o tempo prende-se nessas categorias por ser apreendido como uma sucessão. O tempo mede o que muda em ato, mas não o que permanece o mesmo, tanto para o sujeito quanto para a razão – ou seja, aquilo que é eterno, e que sempre o será.

Deus, Ser sem começo e sem fim, não é um instante temporal, mas sim a própria eternidade: “A eternidade em seu sentido próprio e verdadeiro, só se encontra em Deus. Pois a eternidade corresponde à imutabilidade, como fica evidente pelo que precede. Ora, só Deus é totalmente imutável, como foi demonstrado.” (AQUINO, 2001, p. 238).

A questão de número 11, por sua vez, transcorrerá sobre a unicidade de Deus, tematizando as noções de uno e múltiplo e buscando, acima de tudo, a simplicidade da qual a ideia de Deus é partidária.

A defesa acerca da unidade de Deus pode ser demonstrada de três maneiras:

1- Por sua simplicidade.

2- Pela infinidade de sua perfeição.

3- Pela unidade do mundo.

A simplicidade de Deus envolve a coincidência entre sujeito e predicado. A infinidade de sua perfeição relaciona-se com a ideia da necessidade de que ele seja uno, pois senão admitiríamos a existência de outros deuses, privando-o de sua perfeição. A unidade do mundo, por sua vez, diz respeito à ordenação que submete tudo o que existe: São Tomás afirma que as “coisas diversas não convergiriam para uma ordem única a não ser que fossem ordenadas por um único”. E adiante: “Pois, o múltiplo se reduz melhor a uma ordem única por um único, melhor do que muitos”.

Bibliografia:

AQUINO, Tomás de (Santo). Suma teológica. Vol.1. São Paulo: Ed. Loyola, 2001.

PÉPIN, Jean. Santo Tomás e a filosofia do século XIII. In: História da filosofia (organizador: François Châtelet). Vol. 2. Rio: Zahar Editores, 1983.

sábado, 13 de novembro de 2010

Malinowski

Malinowski e a cultura

Malinowski insere-se numa corrente da antropologia e da sociologia denominada funcionalismo. Tal corrente, em Malinowski, assume um caráter biológico e determinante na construção do conceito de cultura.

Cultura, de um modo geral, é o produto da intervenção humana na natureza e as organizações mesmas que se dão nesse meio transformado e/ou criado.

No caso de Malinowski, a cultura não deixa de ser compreendida em seu aspecto mais geral, mas possui uma relação direta com as necessidades do homem: a cultura se dá na realização de funções. Essas funções são biológicas: e a necessidade biológica primordial é a nutrição (manutenção da vida) seguida da reprodução (manutenção da espécie).

A cultura e as relações humanas, em seu sentido mais amplo, poderiam ser analisadas a partir desses dois eixos, sendo que o primeiro é o mais fundamental.


"Uma Teoria Científica da Cultura" - de Bronisław Kasper Malinowski

Lévi-Strauss e o progresso


Lévi-Strauss e o progresso

Lévi-Strauss esforçou-se em combater uma visão exclusivamente positivista de progresso, bem como o etnocentrismo, nos mostrando suas implicações nas relações entre raça, cultura e história. Gostaríamos de abordar, em primeiro lugar, esses dois conceitos (progresso e etnocentrismo) e depois partir para as outras relações mais amplas.

Strauss critica a concepção ocidental de progresso, uma vez que essa baseou-se fortemente num ideal de complexificação e acúmulo de conhecimento e de técnicas. A sociedade ocidental, que toma a sua concepção de progresso como parâmetro absoluto, privilegia o ideal de aperfeiçoamento científico e cumulativo, ignorando os cortes epistemológicos e o abandono de saberes que se tornaram obstáculos. Essa posição de progresso é capital para uma posição etnocêntrica, pois apreendemos com esse olhar a outra sociedade como se ela possuísse uma “falta de progresso”. O etnocentrismo é uma postura na qual apreendemos o outro a partir de ideias pré-concebidas. Tendemos a encarar o progresso como uma escada a qual toda sociedade deveria subir: as que não subiram passam a ser atrasadas ou estáticas. Lévi-Strauss, porém, vai nos atentar ao fato de que nenhuma sociedade é desprovida de dinamismo – o seu dinamismo próprio. O erro da abordagem etnocêntrica está em sua análise entre as relações raça-cultura e raça-história.

A definição de raça contaminou-se devido ao etnocentrismo: funciona mais num sentido de exclusão, onde tende-se a postular as raças como isoladas umas das outras e a ignorar as colaborações gnoseológicas e técnicas que as diversas culturas nos deixaram numa perspectiva global ao longo da história. Strauss coloca que apesar do homem ter vivido intensas transformações na Revolução Industrial, a Revolução Neolítica mostra-se tão, ou até mais, importante que a última. Entretanto, a postura corrente tende a considerar o “homem primitivo” (que nos antecedeu na história) e o outro da nossa sociedade como inferiores: a Revolução Industrial seria uma grande revolução enquanto a Revolução Neolítica seria uma pequena, fruto mais do acaso do que de um aprimoramento técnico.

Lévi-Strauss coloca-nos a importância de uma abordagem não-etnocêntrica da cultura e da história das demais sociedades, o que se traduz, em outras palavras, numa aberta recepção das diferenças, num conhecer-se a partir do outro. As culturas e as histórias se diferenciam. Porém, isso não significa que uma cultura possa dominar outras, pautando-se por diretrizes etnocêntricas.


"Raça e História" - de Claude Lévi-Strauss

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Jean Copans e a antropologia

Jean Copans e a antropologia

Segundo J. Copans, a antropologia possui fortes raízes na expansão marítima europeia ou, antes, nas viagens onde os contatos com sociedades não-europeias se mostravam como capitais. O motor do movimento antropológico advém de um contato com o outro, embora a antropologia só tenha conquistado seu lugar como ciência autônoma em meados do século XIX. Entretanto, a dinâmica de levantamento de dados, descrições de realidades e sistematização dos mesmos mostrava-se como uma postura dos estudiosos das outras culturas, que representavam uma novidade para o povo europeu.

Na origem da antropologia mostra-se importante destacar a etnografia e a etnologia. A etnografia consistia na coleta de dados, ou seja, em anotações acerca dos hábitos, ritos e simbolismos de uma dada sociedade – anotações etnográficas que a etnologia aprofundaria em suas comparações dos dados dessa mesma sociedade (de início, predominantemente, tribais). A investigação antropológica consistiria num eixo de comparações desses dados aprofundados, só que entre diversas sociedades. Por exemplo, a antropologia destacaria a presença de ritos de passagem em meio aos simbolismos de cada sociedade.

É de extrema importância, aqui, a observação participante método introduzido por Malinowski de forma pioneira e reconhecido por J. Copans. Consistia, pois, numa vivência na sociedade mesma, isto é, a partir de seu interior. A antropologia inova quando pretende estudar uma sociedade a partir de sua dinâmica social, numa tentativa de apreender seu simbolismo total, se desvinculando – ou, ao menos, tentando se desvincular – da contaminação advinda de um olhar exterior. O método, apesar de ousado e coerente, levanta uma série de problemáticas, uma vez que o olhar do estudioso nunca deixa de ser o olhar utilitário de um estudioso.

Daí surge questões relacionadas às responsabilidades sociais e políticas da antropologia, pois, uma vez que esta ocupa o lugar da ciência que trabalha formas de produção de significado humano, o que se diz a partir de seus estudos influencia a postura da sociedade diante do outro. Caberia ressaltar se há espaço para uma neutralidade ou não. Entretanto, constato-se na história que tal ciência serviu de alicerce para justificativas de exploração e dominação, tanto políticas quanto econômicas.

Obra: "Antropologia: ciência das sociedades primitivas?"