quarta-feira, 22 de julho de 2009

África: um resgate de sua história para a compreensão de nossa identidade


África: um resgate de sua história para a compreensão de nossa identidade

Não é novidade que, na história tradicional, modelos são desvalorizados em prol de outros considerados "mais" importantes, "mais" adequados e "mais" civilizados. A história da África (especificamente a subsaariana) foi, e continua sendo, em muitos centros de pesquisa uma matéria a ser isolada e ignorada. Entretanto, em meio a afirmações escandalosas que postulavam a inexistência de uma história antes da chegada dos europeus, houve mobilizações para o resgate de relatos dessa história obscura e quase perdida.

As obras Short History of Africa e Old Africa Rediscovered, em meados da década de cinquenta, influenciaram na visão de que o continente estava saindo do domínio colonial. Temos aqui uma visão muito mais rica acerca da história africana e um importante acontecimento na história do pensamento: admitiu-se que antes dos europeus muito já tinha ocorrido, como mudanças sociais e invenções, e buscou-se o estabelecimento de relações entre os diversos relatos e documentos que surgiram em conseqüência de sua exploração, sem desconsiderar o novo e riquíssimo horizonte que se abria aos novos (ou renovados) olhares.

Ao mesmo tempo desta redescoberta da África em pelo século XX por parte, principalmente, dos historiadores europeus, a própria África em processo de independência política enxergou o quanto indispensável era a retomada de sua história:

O melhor conhecimento do passado tornara-se indispensável à unidade, à segurança e à auto-estima dos novos estados que tinham, com as exceções da Etiópia, de Ruanda e de Burundi, sido desenhados por circunstâncias do colonialismo e eram acoimados por isso de artificiais, como se não tivessem também surgido da volubilidade da política, das vicissitudes dos matrimônios e das alianças da imposição pela força, países como a França, o Reino Unido, a Espanha e a Itália. [1]

Ao mergulhar nessa história obscura, das antigas nações africanas, fez-se uma abordagem muito parecida com a feita acerca da Antiguidade e da Idade Média européia. Dos relatos que vieram depois, temos no século IX os de alguns viajantes e árabes, porém é no período das grandes navegações que encontramos uma gama de relatos do cenário africano. Entretanto, tais relatos dos marinheiros, comerciantes, aventureiros etc, são carregados de preconceitos e arrogância, embora fantásticos no que diz respeito aos detalhes que descrevem a imagem vivida. É importante ressaltar que os relatos foram feitos por pessoas de diferentes posições sociais, desde padres em missões até escravos que rememoravam seus ancestrais.

Alberto da Costa e Silva enxerga como documentos extremamente valiosos as anotações dos escravos, na América e na Europa, sobre suas vidas no seu continente de origem, o que, por sua vez, trouxe ao cenário do interesse pela história africana o modo de vida dos diversos povos que lá viviam. Outro aspecto a considerar é a presença de duas figuras principais, que se mostraram dominantes enquanto vigorava o domínio europeu colonial: a figura do explorador e a do administrador. Aqueles faziam anotações à medida que iam desbravando o continente e quanto a esses:

Quanto ao administrador colonial, tinha ele entre suas tarefas a de produzir relatórios sobre as gentes de quem cobrava impostos. Muitos desses funcionários imperiais deram-se á tarefa com zelo; e alguns, com, mais que zelo, paixão. A eles, e aos missionários, médicos, engenheiros, professores primários ou de liceu, escriturários e militares que os acompanharam, devemos que se registrassem as genealogias e a história oral de vários reinos e que saíssem da penumbra algumas das crônicas tradicionais de povos que desde muito sabiam o que era a escrita. [2]

Isso tudo acarretou a imersão na cultura africana, pois para que essa interação pudesse prosperar convinha um esforço para estar dentro da cultura. E isso significou uma familiarização. Aqui, também, muito se aprendeu. O que havíamos ressaltado antes foi o fato de que o interesse pela história desse continente foi despertado em seu povo (ou “em seus povos”) durante as pressões do europeu e de seu sistema esmagador de domínio sobre o continente. Isso pode nos levar a crer que o impacto europeu, sob essa perspectiva, incitou os africanos a buscarem a sua própria história.

Buscamos explicitar que muita bibliografia histórica sobre a África existe e que já é de longa data, porém é importante deixar claro que uma historiografia, propriamente, africana só viria a surgir depois da Segunda Guerra Mundial. Marca assim, notável presença em estudos norte-americanos e europeus- tanto quanto africanos- dessa história, até então, deixada completamente de lado. A questão que paira sobra os centros de estudos e de levantamentos bibliográficos e históricos brasileiros é a seguinte: “e quanto ao Brasil?”.

Isso porque não vemos em nosso país o mesmo entusiasmo em explorar tais possibilidades de pensamento e de interpretação da identidade de um povo. Por exemplo, nós estamos nos esquecendo da “África que tínhamos em nossas cozinhas”, algo grave para uma cultura popular, pois, nesse aspecto, muitos ensinamentos são transmitidos oralmente. A casa, refúgio, senzala ou cabana de um africano carregou, aqui no Brasil, traços que gritam uma cultura latente até os dias atuais: estudando sobre a história da África estaremos esclarecendo a nossa própria história e, consequentemente, empreenderemos uma renovada busca da identidade brasileira, pois não se entende o Brasil sem a África. Os navios negreiros trouxeram muito mais do que pessoas para serem exploradas no Novo Mundo: todo um legado histórico atravessou o Oceano Atlântico e chegou até nós. Nas palavras de Agostinho da Silva, na metade do século XX, “É necessário e urgente que se estude, no Brasil, a África”. Temos que visitar nossos parentes próximos e, também, investir na pesquisa acadêmica para garantir que não nos esqueçamos de nossa história, ou seja, a que também pertence aos africanos.

Bibliografia:

SILVA, Alberto da Costa e. “A história da África e sua importância para o Brasil”. In: Um rio chamado Atlântico: a África no Brasil e o Brasil na África. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ/ Nova Fronteira, 2003.


[1] SILVA, Alberto da Costa e. “A história da África e sua importância para o Brasil”. In: Um rio chamado Atlântico: a África no Brasil e o Brasil na África. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ/ Nova Fronteira, 2003. p. 230.

[2] Ibid. p. 232-33

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