terça-feira, 7 de julho de 2009

Ceticismo

CETICISMO

(Comentários acerca do texto "Saber Comum e Ceticismo", de Oswaldo Porchat Pereira. Universidade de São Paulo)

Segundo a introdução de tal texto, "o Ceticismo Grego tentou derrubar não apenas os dogmas filosóficos, mas também as certezas e opiniões comuns (...). Enquanto procede a uma epoché radical acerca do mundo, o Cético segue de modo não dogmático as regras normais da vida comum, tomando a aparência como um critério (...)."
Na primeira parte, empreendemos uma busca do significado histórico do Ceticismo, ou seja, o que talvez tenha possibilitado ou acarretado seu surgimento como uma atitude diante do mundo: uma renúncia ao filosofar. Mas qual o sentido dessa renúncia? De que tipo de renúncia estamos falando? Se chegarmos à conclusão, diante do mundo que se apresenta, de que assegurar um critério de verdade para cessar as disputas filosóficas é impossível, então poderemos, ao menos, nos aproximar de uma resposta para essas perguntas. E o tropo da discordância entra, aqui, com uma força descomunal.
Esse tropo fundamental do Ceticismo evidencia o embate e a discrepância, entre opiniões e teorias, acerca de todos os assuntos, vivenciados por todas as pessoas (do cidadão comum ao filósofo). O que vem em destaque é a não-evidência das coisas, da mesma forma que um certo "intelectualismo", que pretende subjulgar o senso comum, porém esse, da mesma forma, acaba por tentar dogmatizar o mundo. O Ceticismo é a contestação filosófica do Saber humano e comum do mundo. Essa definição de Ceticismo, segundo a autor, é a que vigorou na Antiguidade e se estabeleceu historicamente.
A objeção cética não faz sentido sem a questão da verdade. O dogmático acredita profundamente ter encontrado a Verdade. Os dogmáticos são vários, logo, cada qual com sua Verdade quer ser o dono da "Verdadeira Verdade", aquela que excluí as demais. Diante dessa busca dogmática o cético propõe a suspensão do juízo (epoché) diante dos "dogmatismos" e do senso comum. E o ponto de partida é o próprio acordar diante do cenário onde o choque entre asserções que buscam se impor e conquistar a verdade é a realidade, não tendo como base pontos mal fundamentados e sem demonstração. O cético viveria de acordo com o que aparece e não com especulações acerca de uma realidade além mundo: o fenômeno na observância da vida é o seu critério, pois é o que aparece. Mas não podemos chamá-lo de uma não-evidência oposta à coisa em si, muito menos de algo absoluto. Viver "adoxasticamente" é o objetivo: usamos instrumentos céticos para combater o dogmatismo, mas, depois, os próprios argumentos céticos são suprimidos, pois não visam a construção de uma nova doutrina, não possuem a pretensão de serem mais verdadeiros ou não do que seus argumentos-alvo.
A suspensão do juízo é a única solução. O caráter terapêutico do Ceticismo é então exaltado: uma cura, pelo discurso, da propensão ao dogmatismo. Ao mesmo tempo que buscam essa suspensão, os céticos perduram numa investigação filosófica permanente. À primeira vista isso pode soar paradoxal, uma vez que essa atitude não julga ter encontrado a Verdade e também não julga que Ela é inapreensível (suspendendo-se em relação a essas duas afirmações), porém o caminho seguido é um incessante filosofar, claro, com essa consciência da moira humana.
A segunda parte do texto tenta nos mostrar qual o desdobramento que tal atitude veio a ter na Modernidade, momento no qual o sujeito se torna o princípio vital da filosofia, voltando sua atenção para a questão do critério da verdade e do conhecimento (de si e do mundo). A Verdade estaria agora, com toda sua força, na evidência. A atitude crítica viria para suprir essa necessidade de Verdade e se destacaria, em detrimento de uma visão comum do mundo, que assim seria sempre explicado. O sentido da epistemologia está aí, pois nos deparamos com a questão: "é possível conhecer?".
Um momento analisado foi Descartes e o cartesianismo, pois esse filósofo usou o instrumental cético de uma maneira original, não visando, porém, a suspensão do juízo (epoché) como fim. Sua dúvida metódica procedeu de uma maneira cética, estendendo-a até as últimas consequencias: a existência dos corpos, inclusive do seu próprio. Porém, o que queremos ressaltar é a importãncia da herança cética no projeto cartesiano: para superar o Ceticismo (temos divergências com relação ao êxito) o próprio Ceticismo fez-se necessário, só que de um modo provisório. Descartes em suas Meditações coloca toda sua certeza em dúvida e no final chega às suas certezas. O que se estabeleu com ele foi, segundo o autor, uma "ética do conhecimento" onde "a aceitação interina de um mundo par provision, complementando a epoché, é inerente ao método associado à postura epistemológica da filosofia". Entretanto, também é colocada em questão o legado cartesiano, pois o sentido da dúvida cética perdeu-se ao longo de sua tradição, onde pressupostos são tomados sem justificação e sem passarem por um momento de suspensão: a filosofia pós-cartesiana não mais se deu ao trabalho de enriquecer os argumentos pirroônicos. E isso necessitaria de um olhar sobre o tão esquecido senso comum.
"É-se metodologicamente cético, sem sabê-lo; é-se cético 'espontaneamente' ", segundo Porchat Pereira. "Com efeito, os filósofos modernos e contemporâneos, marxistas ou freudianos, filósofos da ciência ou da linguagem, proíbem-se todos de, em suas filosofias [devemos notar aqui o caráter pluralista marcante], assumir a realidade do Mundo cotidiano e de reconhecer um Saber humano comum do Mundo. Chegamos em uma das linhas divisórias mais famosas de toda a história do pensamento: a ciência contra a opinião, a razão e a virtuosidade contra o apego ao mundo. Sofremos as consequências dessa divisão ao longo da história. Porém, o que não podemos esquecer é o forte vínculo que ambos possuíram, principalmente, da parte da filosofia e da ciência: poderiam existir essas sem o senso comum e o mundo "dos fracos"? É importante ressaltar também que "o paradoxo do Ceticismo está em que ele instala decididamente a filosofia no seio da vida comum". Ele permanece, assim, na filosofia. O que o autor coloca como contraponto é a sua própria vontade de renúncia total, que seria bem mais radical que a do Ceticismo, pois, uma vez vitorioso sobre as teorias e antiteorias, ele pode tornar-se mais um tipo de dogmatismo. Aí está o perigo e a história já comprovou que é possível.

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