sábado, 18 de julho de 2009

Algo de Perturbador

Algo de Perturbador no Cuidado de Si?

O que haveria de perturbador no princípio do cuidado de si estaria vinculado à própria interpretação da questão do "retorno e conversão a si". O "culto a si mesmo" soa como uma espécie de desafio e de bravata, uma vontade de ruptura ética, uma espécie de dandismo moral, afirmação-desafio de um estádio estético e individual intransponível. Entretanto essa "exarcebação" do "si" pode soar como uma expressão melancólica advinda de um fracasso no coletivo, representando, assim, uma triste volta sobre si de um indivíduo incapaz de ter sucesso em uma moral coletiva. Esse impasse nos impossibilitaria de enxergar o cuidado de si com um valor positivo. Outros paradoxos evidenciados por Foucault são os seguintes:
- É a partir da injunção "ocupar-se consigo mesmo" que se constituíram as mais austeras, as mais rigorosas, as mais restritivas morais que o Ocidente conheceu. O preceito teve sempre um sentido positivo na sua origem, em contraste com o egoísmo atribuído nos últimos séculos.
- O cuidado de si reapareceu mascarado por determinadas morais, como a cristã e a moderna não-cristã, porém reajustado: o cuidado de si foi convertido para uma ética geral do não-egoísmo, tendo como eixo central a renúncia a si ou uma obrigação para com os outros. O valor original do cuidado de si mudou ao longo da história.
Segundo Frédéric Gros, "os exercícios cristãos de confissão e outras práticas monásticas de direção desenham um mesmo horizonte de abnegação e de sacrifício, de renúncia de si". O cuidado de si passou por algumas transformações ao longo da história: no florescimento da tradição judaico-cristã, a conversão já não é mais para o "si", mas visa uma conversão a Deus como único meio de apreensão da verdade. Esse modo de vida estabelecido por Deus tem como um de seus mais importantes eixos a confissão, ao memso tempo que a valorização do silêncio.
Foucault se interessa como o cuidado de si (as práticas de subjetividade, a constituição do sujeito e a construção de uma vida bela) se relacionará com o tecido social, com os outros. A noção do cuidado de si constituiria um motor da ação política e teria como objetivo o cuidado com os outros. O cuidado de si é pré-condição para o cuidado com os outros, evidenciando a idéia de prosperidade entre todos os cidadãos: a felicidade da pólis.
Nota-se então duas características essenciais no cuidado de si: ele é uma atividade ética (diz respeito a uma atitude do indivíduo consigo mesmo) e também uma atividade política (diz respeito a uma atitude do indivíduo com os outros). "O cuidado de si não é uma atividade solitária, que cortaria do mundo aquele que se dedicasse a ele, mas constitui, ao contrário, uma modulação intensificada da relação social. Não se trata de renunciar ao mundo e aos outros, mas de modular de outro modo esta relação com os outros pelo cuidado de si. É preciso notar, também, que o cuidado de si é muito pouco excludente do outro, que, aliás, ele supõe", constatou Frédéric Gros.


Bibliografia:

FOUCAULT, M. A Hermenêutica do sujeito. Tradução de Márcio Alves da Fonseca e Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

GROS, Frédéric. "O cuidado de si em Michel Foucault". In: RAGO, Magareth; VEIGA NETO, Alfredo. Figuras de Foucault. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. p. 125-138.

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