Xenofonte destaca no capítulo VI dos “Ditos e Feitos Memoráveis de Sócrates” um certo dia em que Sócrates teve uma conversa com o sofista Antifão. Antifão veio certo de que com sua argumentação conseguiria roubar os discípulos de Sócrates. O filósofo, incrivelmente, rebate os argumentos de Antifão, se mostrando, mais do que nunca, um homem virtuoso, ao contrário daqueles que se vendem para os que possuem dinheiro e não se comprometem com a virtude.
Antifão usa do argumento de que Sócrates se alimenta dos tipos de alimentos mais grosseiros, bebe as bebidas mais baratas, veste-se com a mesma roupa tanto no verão quanto no inverno e não tem calçados. Antifão diz que nem um escravo desejaria viver sob tal senhor, pois Sócrates seria, caso os seus discípulos buscassem ser semelhantes a ele, um professor de miséria. Aqui ele confessa sua decepção, pois pensava que aqueles que professavam a filosofia eram mais felizes.
Sócrates, por sua vez, se lamenta da triste idéia que Antifão possuí. O filósofo diz que não é obrigado a falar com quem não queira, ao contrário do sofista que o faz por uma questão de renda. Sócrates diz não precisar das comidas e das bebidas mais nobres, pois já se alimenta e bebe com prazer, diz também que treinou o seu corpo para suportar o frio, o calor e o chão da pólis, pois ele não precisa buscar um abrigo por causa do frio, não busca uma sombra num dia quente e não é impedido de ir e vir por ter os pés machucados. Certos exercícios transformam as pessoas inicialmente fracas em fortes, mais do que aqueles que já nasceram fortes e que, porém, relaxaram. Sócrates diz sofrer as mazelas melhor do que Antifão, pois, não sendo escravo do ventre, do sono, da volúpia, Sócrtaes diz conhecer prazeres mais doces que não deleitam somente no momento, porque seus prazeres são contínuos.
Sócrates, falando sobre esses prazeres contínuos, pergunta para seu adversário se a felicidade da concepção sofista se iguala ao seu conceito de felicidade, que seria uma esperança de nos tornarmos melhores a nós próprios e aos nossos amigos. “Se for preciso servir os amigos, ou à patria, quem para tanto terá mais lazer, aquele que vive como eu ou aquele que esposa o gênero que te vanglorias?”. Para Sócrates, Antifão colocava a felicidade nas delícias e no luxo. Porém, na concepção do filósofo, de nada necessita a divindade e quanto menos necessidade tivermos, mais nos aproximamos do deus, nos tornando, assim, mais próximos da perfeição.
Um homem sensato busca ser amigo dos amantes da virtude, ao contrário dos prostituídos (ou sofistas), que traficam a sabedoria para quem possa pagar. Sócrates, quando reconhecia um bom caráter, ensinava ao outro tudo o que sabia e se tornava seu amigo, e por isso cumpria os deveres do bom cidadão. Seu mestre, para Xenofonte, era um homem feliz que fazia virtuosos os que o escutavam: Sócrates preferia dedicar-se a tornar grande o número de indivíduos capazes de exercer os direitos de cidadão, ao invés de buscar a própria perfeição. A imagem de Sócrates como bom cidadão é exaltada.
No capítulo VII, Sócrates afirma que “não há mais belo caminho para a glória que um homem de bem ser o que realmente deseja parecer”. Mas existem perigos. Alguém poderia passar por um bom flautista sem o ser de fato, fazendo uso de todos os instrumentos e máscaras para parecer ser o que não é. Porém esse indivíduo jamais poderia tocar flauta na presença de outros, pois encenaria algo ridículo. Da mesma forma poderia acontecer com algum piloto e algum general que se fizessem passar por um “bom piloto” e um “bom general”. Eles seriam felizes sabendo que não são aquilo que parecem ser? Convencendo, ou não convencendo, os outros acerca de serem “bons” nas funções que desempenham, eles seriam menos infelizes? No final das contas, quando necessitassem pôr em prática seus conhecimentos, suas técnicas e suas táticas eles sucumbiriam cobertos de desprezo e vergonha.
Diante do perigo de um homem tentar parecer mais forte, mais corajoso e mais inteligente do que é, Sócrates dizia aos seus discípulos que quando um homem que apenas parece ser capaz de fazer algo recebe algum cargo e não sabe executar sua função, este não tem direito ao perdão, pois não é merecedor de tal. “Insigne embusteiro chamava àquele que se apodera do dinheiro ou o que quer que lhe tenham confiado, mas embusteiro maior ainda o homem sem valor que empreende convencer os outros de ser capaz de dirigir o Estado”. Xenofonte, fazendo a apologia de seu mestre, admira-se como Sócrates afastava seus discípulos do charlatanismo.
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