domingo, 21 de junho de 2009

Cogito




Cogito Ergo Sum!

Quando começamos a duvidar nós nos assustamos, pois a problemática se multiplica. Depois da problemática acerca da existência dos corpos e do valor da razão, Descartes ainda empreende sua busca pela verdade indubitável, que virá a ser o cogito. O sujeito está sendo remetido à sua interioridade: há um envio do sujeito a si mesmo, pois a relação sujeito-objeto está muito problematizada a ponto de afirmarmos que talvez estejamos somente de posse de impressões distorcidas acerca desses objetos, seja da ordem sensível ou inteligível.

Quando exercemos o ato do pensamento ou da dúvida, é indubitável que estamos pensando e sendo, pois o nada não realiza atos. No exercício do pensamento, sempre quando enunciamos essa sentença ela será verdadeira, mesmo que todos os juízos que fazemos acerca da realidade estejam errados. A figura do Gênio Maligno pode até nos enganar a todo o momento, mas ele jamais poderá nos reduzir a nada, a fazer o sujeito deixar de existir enquanto pensa: é impossível duvidar da existência sem a existência do sujeito que realiza o ato. O objeto pensado, o cogito, é o próprio sujeito pensante. Foi pelo puro pensamento que Descartes descobriu a própria existência.

Com a descoberta do cogito é construída uma muralha que resiste a todos os ataques (Deus enganador, Gênio Maligno e dúvidas céticas, por exemplo), mas que não destrói os inimigos e não é suficiente para fundamentar a possibilidade da ciência. Tampouco Descartes afirma que existir é a mesma coisa que pensar: ele diz que é através do pensamento que concluímos o existir.

A descoberta da substância pensante não garante a existência dos corpos, muito menos a correspondência entre pensamento e objetos na produção de sentido. O único atributo que não pode ser separado do homem é o pensamento, a consciência intelectual, pois este constituí sua própria essência. Uma coisa não existe sem o seu atributo essencial. Temos o pensamento, a sensação de possuir um corpo, mas não há garantia da existência fora da consciência. Já o cogito é percebido quando realizamos o próprio exercício do pensamento.

A Dúvida Metódica


A DÚVIDA METÓDICA


Descartes, no prólogo de suas Meditações Metafísicas, antecede o objetivo de sua dúvida, chave mestra de seu método, tomando-a como ponto de partida para a construção de sua ordem das razões. Tal dúvida, com características que elucidaremos, possuí uma presença marcante na primeira das meditações, pois é capital na atitude suspensiva adotada, à maneira dos céticos, mas que, justamente, será a bandeira contra o ceticismo e da busca de algo de firme nas ciências, ou seja, de um critério de verdade que a fundamente, que seja o início de todo seu raciocínio. Para tanto, é preciso de algo certo e não de uma simples probabilidade.

O filósofo, utilizando a força da dúvida dos céticos, a leva, porém, a um maior grau de questionamento: questiona a própria existência dos corpos, inclusive o dele, e também do próprio valor da razão. A dúvida metódica, de modo geral, desempenha um papel libertador:

[...] Ora, se bem que a utilidade de uma dúvida tão geral não se revele desde o início, ela é todavia nisso muito grande, porque nos liberta de toda sorte de prejuízos e nos prepara um caminho muito fácil para acostumar nosso espírito a desligar-se dos sentidos, e, enfim, daquilo que torna impossível que possamos ter qualquer dúvida quanto ao que descobriremos, depois, ser verdadeiro. (DESCARTES, 1979, p. 79)

Ela diferencia-se da dúvida cética pela posse de um caráter ativo e por constituir um ponto de partida para a busca da verdade: representa o abalo de todas as nossas certezas, mas, ao contrário da mera “flutuação” cética, procura a superação da própria dúvida e, vencendo o abalo inicial, deseja a constituição de uma base sólida, clara e distinta, que esteja salva de qualquer questionamento. Podemos defini-la como livre, radical, universal e provisória.

A dúvida metódica é livre. A liberdade entrelaça-se com a vontade de duvidar. Sem que se queira duvidar, não podemos ter dúvida. Sendo assim, a dúvida é exercida livremente por uma decisão da vontade do sujeito livre, não engendrada por experiência: a ideia de liberdade como poder de escolha é exaltada. Porém, antes de qualquer escolha, é preciso ter razões para querer duvidar. E encontramos tais razões não, necessariamente, em cada ideia particular, e sim em suas raízes.

A dúvida metódica é radical em dois sentidos: primeiro porque ataca as raízes do conhecimento- a percepção sensível e a razão- e em segundo porque a estende e radicaliza, no sentido de considerar sempre como falso tudo aquilo que apresente uma mínima dúvida ou desconfiança. Tal atitude em relação aos sentidos é adotada primeiramente pelo fato de existirem razões muito fortes para isso: os sentidos nos enganam, as percepções do sono são indistinguíveis das percepções de vigília, não há um critério sólido, por enquanto, que nos permita afirmar que o mundo objetivo ,tal como o conhecemos, seja verdadeiro ou que seja uma representação arbitrária que nada tem a ver com o real.

As verdades matemáticas também são colocadas em dúvida, com o argumento do Deus enganador e do Gênio Maligno: a dúvida se contrapõe radicalmente às nossas certezas. Nós chegaremos a nos persuadir de que tudo pode ser enganoso. Mas caso escapemos vitoriosos, escaparemos invencíveis. Quanto mais poderoso o inimigo, mais certeza quando a batalha estiver terminada. Só daremos adesão a uma opinião no momento em que ela se apresentar como indubitável.

A dúvida hiperbólica nos segura, assim, no impulso de creditar nossos preconceitos, pois estes nos inclinam para a aceitação de algo, sem questionamento. Com seu auxílio, formulamos dúvidas excessivas e começamos a questionar todas as nossas antigas opiniões (mas que tentam se fazer presentes, pois estão muito impregnadas em nós). A dúvida metódica é também universal:

Razões às quais nada tenho a responder, mas sou obrigado a confessar que, de todas as opiniões que recebi outrora em minha crença como verdadeiras, não há nenhuma da qual não possa duvidar atualmente, não por alguma inconsideração ou leviandade, mas por razões muito fortes e maduramente consideradas: de sorte que é necessário que interrompa e suspenda doravante meu juízo sobre tais pensamentos, e que não mais lhes dê crédito, como faria com as coisas que me parecem evidentemente falsas, se desejo encontrar algo de constante e de seguro nas ciências. (DESCARTES, 1979, p. 88)

Por fim, a dúvida metódica é provisória na medida em que representa um momento detonador de questões, não tendo por objetivo a suspensão do juízo em si mesmo. Descartes não deseja ficar negando teorias sem trazer algo novo, mas sim em sair da batalha refutando um ardiloso inimigo, pois caso a refutação não seja forte o bastante, a dúvida permanecerá e as bases correrão perigo.

Referências Bibliográficas:

DESCARTES, René. Meditações; tradução de J. Guinsburg e Bento Prado Júnior. – 2.ed.- São Paulo: Abril Cultural, 1979.

domingo, 14 de junho de 2009

Pirro (Pírron) e Tímon


“Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres” de Diôgenes Laêrtios

- Pírron (Aproximadamente 360-270 a.C.)

(O filósofo grego Pírron de Élis foi o fundador do ceticismo)

- Conviveu com os ginosofistas na Índia, e com os magos. Tal convivência estimulou-lhe consideravelmente as convicções filosóficas e parece que o levou ao caminho mais nobre da filosofia, pois Pírron introduziu e adotou os princípios do agnosticismo e da suspensão do juízo.

- Pírron afirmava que nada é honroso ou vergonhoso, nada é justo ou injusto, e aplicava igualmente a todas as coisas o princípio de que nada existe realmente, sustentando que todos os atos humanos são determinados pelos hábitos e pelas convenções, pois cada coisa não é mais isto que aquilo.

- Pírron teve uma vida coerente com sua doutrina e foi louvado por sua indiferença e impassibilidade. Em situações onde muitos não conseguiam se manter calmos, Pírron sempre apontava para um exemplo de imperturbabilidade, associando esse comportamento ao de um sábio.

- Os ouvintes de Pírron eram chamados de pirronianos e subdividiam-se em aporéticos, céticos, eféticos e zetéticos, em decorrência dos “princípios” que defendiam.

* Chamam-se zetéticos os que buscam sempre e sobretudo a verdade.

* Céticos os que indagam e nunca chegam a uma conclusão.

* Os eféticos têm esse nome por causa do estado mental subseqüente à sua indagação, ou seja, a suspensão do juízo.

* Os aporéticos recebem tal nome porque não somente eles, mas os próprios filósofos dogmáticos estão frequentemente perplexos.

- Os céticos empenhavam-se constantemente em demolir todos os dogmas, e nunca se expressavam dogmaticamente. Limitavam-se a apresentar e a expor os dogmas dos outros sem jamais chegar a definições, não afirmando sequer que faziam qualquer definição.

- “Não mais uma coisa que outra” revela o estado espiritual de Pírron. Uma coisa não é mais existente do que inexistente.

- Um motivo para a suspensão e o não-dogmatismo (“doutrina pirroniana”) consiste na indicação dos fenômenos e de tudo que é conhecido de um modo qualquer pelo pensamento, e segundo ela todas as coisas se relacionam entre si e no confronto se revelam muito anômalas e confusas. Quanto às contradições, temos diversos modos em que as coisas manifestam força persuasiva: e sempre teremos considerações contrapostas a essas.

- As coisas fundamentais se nos mostrariam mutáveis em dez diferentes modos:

1º - Refere-se à diferença dos seres vivos quanto ao prazer e à dor, à desvantagem e à vantagem: as criaturas vivas não recebem as mesmas impressões dos mesmos objetos.

2º - Refere-se à natureza e às idiossincrasias dos homens.

3º - Decorre da diferença dos poros transmissores das sensações: segue-se daí que aquilo que aparece não é mais uma coisa que outra coisa diferente.

4º - Refere-se às disposições individuais e, em geral, às mutações de condições, como a saúde e a doença, o sono e a vigília, o prazer e a dor, a juventude e a velhice, a coragem e o medo, a carência e a abundância, o ódio e o amor, o calor e o frio, além da facilidade ou dificuldade da respiração: a dificuldade das impressões depende das condições diversas das disposições individuais.

5º - Relaciona-se com a educação, com as leis, com as crenças nas tradições míticas, com os pactos entre os povos e com as concepções dogmáticas: a conseqüência é a suspensão do juízo sobre a verdade.

6º - Relaciona-se com as misturas e uniões, em decorrência das quais nada aparece puro e em si e por si, mas misturado com o ar, com a luz, com a umidade, com a solidez, com o calor, com o frio, com o movimento, com as exalações ou sujeito a outras influências.

7º - Refere-se às distâncias e às diversas posições, aos lugares e às coisas que estão nos lugares. De acordo com este modo, as coisas que imaginamos grandes parecem pequenas, as quadradas parecem redondas, as coisas chatas parecem ter saliências, as retas parecem oblíquas, as pálidas parecem de outra cor. Logo, já que o conhecimento dessas coisas depende das relações de especo e de posição, não se pode conhecer sua natureza própria.

8º - Refere-se à quantidade e à qualidade das coisas, à multiplicidade de suas condições determinada pelo calor e pelo frio, pela velocidade e pela lentidão, pela ausência ou variedade de cores.

9º - Se relaciona com a freqüência, a raridade ou a estranheza dos fenômenos.

10º - Baseia-se na inter-relação, por exemplo, entre o leve e o pesado, entre o forte e o fraco, entre o maior e o menor, entre o alto e o baixo: aquilo que se acha à direita não está à direita por natureza, mas é percebido como tal segundo a posição relativa a outro objeto; mudada a posição, a coisa já não está à direita.

- Os céticos eliminavam toda demonstração e não admitiam um critério, um sinal, uma causa, nem o movimento, nem a instrução, nem o vir a ser, nem o princípio da existência de qualquer coisa boa ou má por natureza.

- Toda demonstração consiste em coisas demonstradas ou indemonstradas.

- Se as demonstrações isoladas não merecem fé, necessariamente as demonstrações gerais devem ser recusadas como destituídas de valor.

- Ou meios para julgar são os sentidos ou a razão, mas tanto eles como ela estão sujeitos a dúvidas.

-Os céticos suprimem também o critério da verdade: o homem está em desacordo seja consigo mesmo, seja com os outros, como se pode ver claramente graças à diversidade das leis e dos costumes; os sentidos enganam, a razão é discordante, a apresentação compreensiva é determinada pela mente e volta-se em várias direções. Não se pode então conhecer o critério; logo, não se pode também conhecer a verdade.

- A causa é algo relativo, e de fato é relativa ao efeito.

- Os céticos negam igualmente o vir a ser: o que não é substancial nem existente não pode tampouco ter possibilidade de vir a ser.

-Nem o bom nem o mal existem por natureza. Uma coisa pode ser boa e má ao mesmo tempo.

- O bem por natureza não pode ser conhecido.

- Os dogmáticos dizem que os céticos, de certa forma, também dogmatizam.

- As impressões diferentes possuem um valor de aparência.

- O fim supremo para os céticos é a suspensão do juízo, à qual se segue a imperturbabilidade como se fosse sua sombra.

- Tímon (Aproximadamente 320-230 a.C)

(foi discípulo de Pírron)

- As Sátiras abrangem três livros, nos quais Tímon, como cético, ataca e satiriza todos os filósofos dogmáticos em tom de paródia.

- Exerceu a profissão de sofista

- Contra os filósofos que admitiam a validade das sensações confirmadas pela razão, Tímon citava frequentemente o verso: “Atagás e Numênios se encontraram” (Nomes de dois ladrões famosos. Trata-se de um provérbio aplicável quando duas pessoas- ou coisas- de má fama estão juntas).

- Tímon não deixou sucessor algum.

A Cidade de Deus


SANTO AGOSTINHO E A TEOLOGIA DA HISTÓRIA TELEOLÓGICA NA “CIDADE DE DEUS”

“Credo ut intelligam”

(“Creio para que possa entender”)

Sem a fé a razão é incapaz de promover a salvação do homem e de trazer-lhe felicidade. A razão funciona como auxiliar da fé, permitindo esclarecer, tornar inteligível, aquilo que a fé revela de forma intuitiva. A grande questão discutida pelos intelectuais da Idade Média é a relação entre razão e fé, entre filosofia e teologia.

Aurélio Agostinho, principal nome da patrística, recorre à filosofia platônica, por intermédio do neoplatonismo de Plotino, para realizar uma síntese com a doutrina cristã, adaptando o pensamento pagão. Agostinho retoma a dicotomia platônica “mundo sensível e mundo das idéias”, mas substitui este último pelas idéias divinas. Tal dicotomia desdobra-se na Cidade terrestre, gerada pelo amor a si mesmo e pelo desprezo por Deus, e na Cidade de Deus, gerada pelo amor por Deus até o desprezo por si mesmo. A história da humanidade, então, é interpretada como conflito entre a Cidade de Deus, inspirada nos valores cristãos, e a Cidade terrena ou humana, baseada nos interesses mundanos.

Essa concepção de Agostinho mostra a coerência dos acontecimentos, que seguem um movimento determinado e se constituem segundo certas grandes linhas de força. Os acontecimentos do passado (e do presente) nos permitem indicar uma possibilidade de futuro ou, num sentido mais amplo, um sentido; e não uma previsão que submetemos a cálculos precisos. Ao final do processo histórico, porém, a Cidade de Deus deveria triunfar. Aí entram os platônicos, interlocutores privilegiados, pois reconheceram que a alma humana só pode encontrar felicidade na participação da luz de Deus.

Os platônicos superaram o universo dos corpos e dos espíritos na busca de Deus, entretanto eles mesmos não souberam como deixar o politeísmo para trás. O mundo e tudo o que nele enxergamos devem seu ser ao Ser absoluto, supremo. A perfeição para o homem, seu telos, é viver segundo a virtude, o que não é possível sem o conhecimento e a imitação de Deus, sendo a condição mesma da felicidade. Podemos afirmar a existência de algo “imperfeito”; porém nós exigimos a existência do seu contrário. O conhecimento verdadeiro exige uma estabilidade, que é contrária ao eterno devir: a busca por leis imutáveis, dentre elas, a mais imutável de todas, que é Deus.

Para Platão o Ser nos é mostrado através de imagens e reflexos no mundo sensível. Para Agostinho, Deus (o Ser) não pode ser olhado diretamente, mas, diferente de Platão, não recebemos imagens aparentes, e sim sua luz. A imagem do sol é exaltada, é aquele que ilumina, que determina a vida; assim como Deus, que é fonte inesgotável e absoluta de saber. A existência de Deus é assim provada a priori, irrevogavelmente, por sua existência no espírito humano, e sua iluminação da inteligência humana. Deus é o total das totalidades, o real das realidades, a verdade das verdades, a mais perfeita das perfeições, isto é, uma essência absoluta do Universo. “Essência” é entendida como um conceito unificador. Caminhamos, então, ao conceito de Uno e faremos menção a Plotino, filósofo mais célebre do conjunto do neoplatonismo.

O Uno é o Todo, a fonte do universo, a unidade do universo, seu ser último e primeiro, sendo superior mesmo ao bem. Plotino defende que o caminho, para se chegar a esse princípio abstrato, não é a dialética de Platão, mas sim o êxtase religioso. O Uno é aquilo em virtude do que há pensamento. Há um misticismo em Plotino, e ele saberá, por essa via, fazer uma crítica ao pensamento cristão e gnóstico de sua época. Entretanto, sua doutrina espiritualista calcada no platonismo influenciará o pensamento cristão medieval e sua doutrina do Uno servirá de apoio para a questão da Santíssima Trindade; o Deus que se manifesta em três personalidades distintas, mas que são, na verdade, o mesmo Deus; “eis o mistério da fé”. Algo que já ultrapassa, principalmente para Agostinho, o campo da razão: acreditar em tal mistério encontra-se no campo da fé. É uma verdade simples, mas que ultrapassa o campo do dizível e do explicável. Pai, Filho e Espírito Santo: O Pai é essência divina em sua insondável profundidade; o Filho é o verbo, a razão ou a verdade, através da qual Deus se manifesta; o Espírito Santo é o amor, mediante o qual Deus dá nascimento a todos os seres.

Deus é a plenitude do ser. A partir disso Agostinho constrói a doutrina do bem e do mal e, inevitavelmente, tocará na questão do livre-arbítrio e do pecado. Em primeiro lugar, vale ressaltar que, para Santo Agostinho, tudo aquilo que é é necessariamente bom, pois a idéia de bem está implicada na idéia de ser. Deus não poderá ser a causa do mal nem mesmo a matéria por ele criada. O mal estaria na esfera contrária de Deus: o não-ser. O mal não é uma substância e sim a ausência do bem. Agostinho herda, assim, mais características de Plotino e vai de encontro às teses maniqueístas: não há uma luta entre duas entidades (o bem contra o mal); há o bem (Deus). O mal é privação de Deus.

O que é pecar? O que é se afastar de Deus? Ao criar o homem, Deus lhe prescreveu algumas leis, mas deixou-o senhor para prescrever a sua, no sentido de que a lei divina não exerce nenhum constrangimento sobre a vontade do homem. O homem seria, à semelhança de Deus, memória, essência (Pai), verbo, razão, inteligência (Filho), amor e vontade (Espírito Santo). Esta duas últimas seriam responsáveis pela criação do mundo no que diz respeito a Deus e às criações humanas no que diz respeito aos homens. A vontade intervém em todos os atos do espírito e constituí o centro da personalidade humana. Criadora e livre, ela nos dá a possibilidade de nos afastarmos de Deus (do Ser) e de caminharmos rumo ao não-ser, o mal. Logo o pecado se dá pelo livre-arbítrio. Pecado é a desobediência ou transgressão voluntária à lei de Deus. Se um homem sucumbe isso se dá pela sua própria escolha. O culpado não é Deus.

O homem, porém, poderia se salvar através da graça divina e, assim, a Cidade de Deus triunfará. A grande imagem correspondente ao telos agostiniano seria a dos homens vivendo na Cidade Celeste.

Bibliografia:

-GILSON, Étienne. A Filosofia na Idade Média. São Paulo: Martins fontes, 1995.

- Dicionário dos Filósofos/ Diretor da publicação Denis Huisman. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

- GILSON, Étienne. O Espírito da Filosofia Medieval. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

- Dicionário Básico de Filosofia/ Hilton Japiassú, Danilo Marcondes- 3ª ed. rev. e ampl.- Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

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"O homem entregue à vida desperta racionaliza os seus sonhos com os conceitos da vida usual. Lembra-se vagamente das imagens do sonho e as deformará ao exprimi-las na linguagem da vida acordada. Não percebe que o sonho, sob sua forma pura, nos entrega totalmente à imaginação material e à imaginação dinâmica, e que, em contrapartida, o sonho, sob sua forma pura, nos liberta da imaginação formal...para dormir, é preciso entregar-se à vida elementar".

(Bachelard, O ar e os sonhos, p.27)

ARTE E SOFRIMENTO


ARTE E SOFRIMENTO: A BELEZA DO EXISTIR

Segundo Nietzsche, a arte é uma forma de justificar a existência, fazendo com que a vida seja digna de ser vivida. Seu desenvolvimento está ligado à duplicidade do apolíneo e do dionisíaco, impulsos estes que estão diretamente ligados à natureza e não precisam, necessariamente, do homem como mediador.
Apolo está ligado às formas, ao cosmos e às linhas bem definidas, logo, tal é a sua contribuição para a arte: a harmonia, como num sonho contemplado e bem ordenado. Dionísio não. Ele é o espírito da embriaguez, e se manifesta numa arte não-imagética, na música. Dionísio é o eterno criador que perpassa, sob diversas formas, geração e destruição. Tal contribuição para a tragédia grega é inegável, pois esses dois impulsos artísticos se unirão na produção da cena trágica, vivenciando cenas que remetem ao sofrimento e, paradoxalmente, visam a potencialização e afirmação da vida acima de todas as coisas.
A tragédia, sob um primeiro olhar, poderia ser encarada como uma catarse das tragédias pessoais. Entretanto, para Nietzsche, ao presenciar a queda do herói trágico e sua reintegração ao uno primordial (o que chamamos de morte), tal cena produziria o efeito contrário: ao invés de sucumbirmos junto ao herói nós nos potencializaríamos. Tal "lógica" partiria da idéia de que somos aparências geradas pelo princípio de individuação (que nos deu uma forma), mas que voltaremos ao uno após a desintegração. Eis o movimento dionisíaco, que sustenta o conceito de eternidade, do eterno retorno. Tal movimento é incessante.
O impulso dionisíaco, através da música (coro trágico) nos faria sentir tal movimento em sua inteira beleza, sem um caráter pessimista. Nietzsche não nega a vida; a existência não precisa de nada que a negue; a existência é dor conjugada com prazer. A arte não está aí para negar a vontade, como em Schopenhauer, mas para afirmá-la. É a tarefa suprema e a atividade propriamente metafísica dessa vida; e diante de uma obra somos convidados a dizer: "A vida é bela!".

quarta-feira, 10 de junho de 2009

AS BACANTES E A TRAGÉDIA


AS BACANTES E A TRAGÉDIA


As Bacantes, de Eurípedes, representa um retorno à sensualidade arcaica e mística sob o bastão sagrado de Dionísio, o tirso. No cenário de tal retorno surge a questão: é possível viver uma vida sem infortúnios?
Essa pergunta se faz importante, principalmente, quando se diz respeito a Penteu, aquele que renegou Dionísio, sofrendo as consequências.
De um certo modo a questão das desgraças que caem sobre os homens, como um teste da divindade, é questão capital na devida tragédia. Uma conjugação de dor e prazer. Um jogo de aceitação e recusa.
Penteu recusa, em um primeiro momento Dionísio, mas diante do primeiro castigo do deus, ele aceita vestir trajes femininos- para que não o descobrissem- a fim de descobrir como se realizavam os rituais envolvendo o "não-deus" Dionísio. O terrível destino recai sobre Penteu e ele é despedaçado pelas bacantes, quando estas estão num elevadíssimo nível de êxtase.
Assim, as tragédias denotam a precariedade da existência humana face aos desígnos divinos. Os deuses se sobrepõem aos homens, suas leis devem ser respeitadas ou o infrator cairá em desgraça, como no caso de Penteu.

"A conduta mais bela e sábia- penso eu- e a mais segura para todos os mortais é respeitar os deuses e ser moderado" (versos 1504 a 1506)


Bibliografia:

As Bacantes in: EURÍPIDES, 485 a.C - 406 a.C. Ifigênia em Áulis;As fenícias;As bacantes. Tradução do grego, introdução e notas: Mario da Gama Kury. 4 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002

Ética e Política


ÉTICA E POLÍTICA- Aristóteles

A política é a arte mais prestigiosas porque é ela que orienta a ética e as ciências práticas, possuindo um caráter teleológico. Segundo Aristóteles, o homem é um animal político, tem como fim a felicidade que, por sua vez, só pode ser alcançada no seio da comunidade. A política, arte da organização, analisará as relações principais entre os indivíduos da pólis e a busca do bem maior, pois o bem do todo (a comunidade) está acima do bem individual. A ética estuda os caminhos para uma vida boa, as virtudes e a sabedoria prática como uma espécie de preparação para os obstáculos da política. As ciências práticas e a ética, pois, visam preparar o cidadão para a grande arte, que é a política, e tem como principal campo o do contingente. Será preciso, então, o exercício e desenvolvimento de uma sabedoria para enfrentar as mais diversas possibilidades (que se apresentam nas mais variadas circunstâncias).

Um "bem em si mesmo" é algo que é buscado nele mesmo e que, quando o possuímos, estamos livres de qualquer carência, potencializando a vida por si só. Segundo Aristóteles (Ética a Nicômaco, I, 20): "Se, pois, para as coisas que fazemos existe um fim que desejamos por ele mesmo e tudo o mais é desejado no interesse desse fim; e se é verdade que nem toda coisa desejamos com vistas em outra (porque, então, o processo se repetiria ao infinito, e inútil e vão seria o nosso desejar), evidentemente tal fim será o bem, ou antes, o sumo bem".
Essa passagem esclarece a explicação anterior, pois explicita que todas as ações buscam, tendem a um bem. As artes que buscam esse bem, que pode ser identificado com a felicidade, e o buscam por si só, sem ter em vista algo exterior, são superiores. Aristóteles, assim, distingue ciências práticas, ciências teoréticas e arte (no sentido de techné com o objetivo de produção).

O fim do homem, o postulado ontológico do homem enquanto tal, é a realização de ações que buscam o bem supremo, segundo as virtudes e dirigido pela sabedoria prática. A comunidade é anterior ao indivíduo. Esse pressuposto nos leva à conclusão de que há um bem comum que todos desejam (a felicidade no seio da comunidade), porém para alcançar tal fim é preciso, antes, fundamentar o sentido da felicidade e estudar as virtudes humanas. Partiríamos do estudo do humano para fazer destacar o divino em nós: passando pela ética e pela política, viveríamos a vida mais bela e digna de ser vivida.

A virtude é a medida entre os extremos, o justo meio. A virtude é um hábito adquirido, caminho este orientado pela ética. Para Aristóteles conhece-se o bem praticando atos bons, nas mais diversas situações, e sempre procurando o meio termo, evitando, assim, a hybris (desmedida, excesso). É possível errar de muitas maneiras, mas acertar somente de um modo. A virtude é a busca desse caminho, realização da essência humana, evitando o que é "de mais" e o que é "de menos", pois estes trazem consequências negativas. O político (ou sábio e o perfeito cidadão) deve ser, sob esta perspectiva, uma espécie de equilibrista. Um ser moderado, prudente.

A práxis e a poiésis estão, ambas, relacionadas à vida activa do homem. A diferença entre ambas encontra-se no campo da reversão, previsão e o instrumento o qual utilizam para se realizarem. A poiésis está ligada a uma arte (techné), possuí um caráter de produção (pelo trabalho de quem realiza essa atividade) e é reversível, pois caso o produto final não seja o que idealizamos, é totalmente cabível sua destruição e uma posterior retomada da produção. A práxis (ação no sentido de ação política) está intimamente ligada à ess~encia humana, pois se dá através da palavra (logos), sendo imprevisível (não sabemos os rumos e consequências de nossas ações) e irreversível (não podemos desfazer ou invalidar nossas ações, no máximo podemos amenizar, através da promessa e do perdão, as suas consequências).
A práxis é o elemento capital das relações entre os indivíduos e é, assim, o objeto de estudo da política.


Bibliografia:
Ética a Nicômaco in: Metafísica: Livro 1 e 2; Ética a Nicômaco; Poética/ Aristóteles; seleção de testos de José Américo Motta Pessanha; [traduções de] Vincenzo Cocco...[et al.] - São Paulo: Abril Cultural, 1984. (Os Pensadores)