Fichamento – Capítulos 1 e 2
Livro:
STRAWSON, Peter F. Análise e Metafísica: Uma Introdução à Filosofia [trad. Armando Mora de Oliveira]. São Paulo: Discurso Editorial, 2002.
“'Filosofia', essa grande palavra, não quis dizer, em todas as épocas, sempre a mesma coisa. Mesmo hoje não significa o mesmo para todas as pessoas. Esse ponto pode ser analisado de várias formas”. (p.13)
Capítulo 1- Filosofia Analítica: Duas Analogias
Strawson tem como objetivo em sua obra “Análise e Metafísica” a tentativa de explicação do conceito geral de filosofia, bem como uma introdução à filosofia. Isso constitui uma base para qualquer estudante ou pesquisador de filosofia: esclarecer-se acerca desse conceito que se divide em inúmeros problemas, que hora se interligam, possibilitando um traçado entre essas várias divisões.
Na busca por esse conceito as concepções de filosofia se opõem na medida em que ela se entrelaçou com a idéia de “filosofia natural” e, conseqüentemente, com a idéia de “ciência natural”, sendo inimiga de outras linguagens que descrevem a realidade ou ao menos tentam explicá-la, como o mito, a fantasia e a imaginação poética. Por essa visão, a filosofia promoveria uma desilusão acerca do mundo. Contrapondo-se a essa visão existe aquela que diz que a filosofia é uma reflexão racional e eloqüente sobre a natureza moral do homem, aliviando, fortificando e elevando o espírito. Isso se traduz numa reflexão mais ou menos sistemática, segundo Strawson, sobre a situação humana, encontradas nas obras de filósofos como Heidegger, Sartre e Nietzsche1, levando a uma nova perspectiva sobre a vida e a experiência humanas.
Para Strawson, o filósofo analítico não promove esse gênero de visão nova e reveladora e possuí um outro objetivo, marcando assim uma diferença na concepção de filosofia, tanto sob uma visão de teoria quanto de prática. A filosofia analítica comumente era chamada de uma filosofia de análise de textos, um discurso sobre o texto filosófico, visando (ou não) uma atualização, isto é, trabalha com e idéias ou conceitos, uma análise conceitual, a demolição ou decomposição intelectual.
Nesse ato de desmontar intelectualmente as idéias ou conceitos, para montar um suposto mapa conceitual, muitas vezes nos perdemos em meio a essa complexidade, ficando apenas com uma representação abstrata desses conceitos e suas relações, uma desordem conceitual. Daí a imagem do filósofo analítico como uma espécie de terapeuta, que busca curar os desarranjos mentais, substituindo a explicação pela descrição. “Não oferece uma doutrina, uma teoria; é sobretudo o portador de uma técnica” (p.15).
O papel do filósofo analítico, segundo essa analogia com uma disciplina curativa ou terapia, é endireitar o nosso pensamento, ordenando o mesmo sob uma forma rigorosa, em busca de uma libertação das confusões conceituais obsessivas. Segundo Wittgenstein “O tratamento de uma questão pelo filósofo é como o tratamento de uma doença” (p.16). Entretanto um outro problema se apresenta.
O que ocorre é que o homem se defronta com os problemas filosóficos quando desliga o conceito ou a palavra do seu uso corrente, de sua significação comum. E isso arrasta-o para o paradoxo. Assim, por um momento, a analogia com a terapia é deixada de lado e Strawson parte para uma analogia com a gramática.
Nesse caso, ser capaz de fazer alguma coisa (especificamente o falar gramaticalmente) é muito diferente de ser capaz de dizer como é que é feito aquilo que fazemos; o primeiro não implica o segundo, ou seja, o domínio de uma prática (o emprego de conceitos, por exemplo) não implica no domínio explícito (mas talvez implícito) da teoria dessa prática. Seguindo a analogia com a gramática, podemos dizer que houve um domínio implícito das gramáticas muito antes de qualquer gramática representativa e escrita fosse criada. Os seres humanos não devem possuir um domínio implícito restrito à gramática, mas também de conceitos, pois, em nossas relações cotidianas nós empregamos um número assustador de conceitos e aprendemos os mesmos pelo seu uso prático e não pelo aprendizado da teoria do seu emprego. Aprendemos a manejar as palavras sem nos envolver com os problemas que decorrem das mesmas, como a questão do “ser”, por exemplo. O próprio aprendizado se segue a partir de exemplos, pois não não aprendemos de imediato analisando somente a teoria.
Seguindo por essa linha, da mesma forma que “o gramático se esforça para produzir uma análise sistemática da estrutura das regras que seguimos sem esforço ao falar gramaticalmente, também o filósofo se esforça para produzir uma análise sistemática da estrutura conceitual geral cujo domínio tácito e inconsciente é mostrado na prática cotidiana” (p.21). Nós dominamos uma prática, mas não a teoria: o filósofo tem como papel jogar uma “luz” para que possamos dizer o que essas regras são na verdade. E assim nos livraríamos de estar diante de coisas tão desajeitadas, ordenando-as e possuindo uma idéia melhor acerca dos seus méritos e limitações.
A analogia gramatical sugere uma explicitação, uma explicação, uma compreensão teórica. Já a analogia terapêutica, possuí um aspecto negativo, pois consistiria em “reunir lembretes” para libertar-nos de confusões, mas somente quando vivenciamos tais confusões. Como terapeuta, o filósofo somente explicaria a origem das confusões, o que é errôneo.
A filosofia analítica usa a instrução explícita, se ocupa com a estrutura do nosso pensamento, visando uma compreensão conceitual que habilita a operar efetivamente no interior de uma disciplina, dentro dos limites da própria disciplina. Aplicando de uma forma geral, trabalha com princípios que não são específicos de uma determinada prática e visa a busca pelo seu entendimento.
Capítulo 2 – Redução ou Conexão? Conceitos Básicos
Strawson inicia o segundo capítulo com a seguinte pergunta: “Quais são as formas básicas que uma teoria analítica sistemática pode assumir?” (p.33). Ele regressa, assim, à palavra “análise”, que em geral significa redução do que é complexo para elementos; e também a exibição das relações entre os elementos dentro do complexo. Aplicando esse método na análise de idéias, poderíamos dizer que há uma tentativa aí de reduzir a complexidade conceitual interna e encontrar idéias simples, organizadas por um tipo de construção lógica ou conceitual de elementos simples. Isso era feito de modo exaustivo, onde o fim era a obtenção de uma idéia clara (e reduzida) dos significados complexos.
A preocupação que o autor exalta é a ilusão de que incluindo conceitos absolutamente simples (ou seja, reduzindo) estaríamos empregando corretamente os conceitos. Além disso, existia uma outra ilusão e um encanto de se encontrar algo que não poderia ser mais reduzido2. Porém nem sempre o resultado era satisfatório porque chegava-se num ponto em que uma das partes reduzidas era, ou continha, o próprio conceito a ser reduzido.
Por essa principal razão, Strawson considera um modelo completamente diferente de análise filosófica que, justamente, iria na direção contrária do noção de uma simplicidade perfeita nos conceitos: um modelo que tratasse os conceitos como numa rede elaborada, interligada e o qual só poderíamos compreender, do ponto de vista filosófico, ao perceber as conexões existentes entre eles. Assim, não haveria razão para medo ou preocupação se percorrermos as articulações da rede e depois voltarmos ao ponto de partida ou por elas transitarmos. Esse estabelecimento de conexões vai contra “o programa da análise redutora, ou atomista, segundo o qual os limites da análise seriam conceitos ou significados absolutamente simples” (p.36).
O contraponto estabelecido entre essas duas visões dentro da filosofia analítica é que o filósofo de perspectiva atomista procura reduzir e explicar tudo através de poucos elementos. Já o filósofo de perspectiva conectiva traça “conexões num sistema sem a esperança de conseguir desmantelar ou reduzir os conceitos examinados a outros conceitos mais simples” (p.37). Mas daí surge a questão acerca de onde deveríamos procurar os conceitos mais simples. Seria necessário, então, estabelecer conexões com o equipamento conceitual que os alunos, por exemplo, já detêm.. E se desenvolveria uma troca entre a bagagem conceitual e os conhecimentos especializados.
O que valeria nessa segunda visão, chamada também de alternativa, seria a conexão de vários conceitos, não sendo redutíveis e não podendo serem definidos fora desse conjunto, pois todos dependem uns dos outros para o entendimento conceitual total.
Notas:
1- Eles seriam, no caso, os filósofos continentais, representantes de um dos lados que surgiram dessa “separação” da filosofia: a filosofia continental. Esta contrapõe-se à filosofia analítica.
2-Algo como se acreditava serem os átomos. A busca por algo irredutível exercia uma espécie de fascínio nos que acreditavam no Reducionismo.
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