quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Moore e a Prova do Mundo Exterior


MOORE E A PROVA DO MUNDO EXTERIOR

George Edward Moore termina sua “prova do mundo exterior” alegando a falta de uma “boa razão” para uma possível insatisfação de seus críticos – sobretudo os idealistas do contexto filosófico britânico – diante das duas provas do mundo exterior fornecidas nesse pequeno, mas denso, escrito.

As críticas de Moore são endereçadas a Immanuel Kant no que diz respeito a sua prova do mundo exterior apresentada na Crítica da Razão Pura – na qual esse último, mediante o escândalo filosófico de que nunca se provou a existência do mundo exterior, teria elaborado uma prova efetiva para a resolução de tal problema.

Ao criticar Kant, Moore irá fazer uma “correção” das concepções idealistas, uma vez que empreenderá uma análise de proposições de forma minuciosa para evidenciar certas afirmações mal fundadas ou muito gerais. Uma investigação acerca do conjunto de proposições que formam a filosofia será, na história da mesma, o elemento propulsor de sua tradição analítica, pois coloca, assim, a análise como método essencial. [1]

Moore vai de encontro à pretensão kantiana de provar a existência “das coisas exteriores a nós”, ou seja, de um mundo que seria exterior ao sujeito do conhecimento. A questão aqui é a de saber se tal prova é rigorosa a tal ponto de colocar um fim em nossas dúvidas acerca da exterioridade: Moore defenderá que, além de a prova kantiana não ser a única, nós podemos dar muitas outras provas do mundo exterior. Para tanto, analisará um elemento o qual Kant se apropria em sua prova, a saber, a expressão “coisas exteriores a nós”. Alegará Moore que tal expressão não é perfeitamente clara.

Para esboçar uma primeira gama de problemas, Moore afirma que a ambiguidade envolvendo a expressão “coisas exteriores a nós” poderia ser pormenorizada ao usarmos “coisas exteriores” – porém, essa última foi utilizada, por muitos filósofos, como sendo um sinônimo para “coisas externas a nossas mentes”, e também como sinônimo da primeira. Isso acarretaria grandes questões, os quais o próprio Kant não teria conseguido responder.

Há uma passagem (Kritik der Reinen Vernunft, A 373) na qual o próprio Kant diz que a expressão “exterior a nós” “traz consigo uma ambiguidade inevitável”. Ele diz que “algumas vezes ela significa alguma coisa que existe como uma coisa em si distinta de nós, e algumas vezes que pertence simplesmente à aparência exterior”; ele chama as coisas que são “exteriores a nós” no primeiro destes dois sentidos de “objetos que se poderiam chamar exteriores no sentido transcendental”, e coisas que são no segundo sentido de “objetos empiricamente exteriores”; e ele diz finalmente que, para remover toda a incerteza com relação à última concepção, distinguirá empiricamente os objetos exteriores dos objetos que se poderiam chamar “exteriores” no sentido transcendental “chamando-os sem exceção coisas que se devem encontrar no espaço”. (MOORE, 1980, p. 279)

Apropriando-se da expressão “coisas que se devem encontrar no espaço”, Moore faz uma pequena lista de coisas, tais como o seu corpo, os outros corpos – animados e inanimados – e outros objetos dos quais ele pode se servir para alguma utilidade, a realidade física ou material, enfatizando que os elementos que aí se encontram representam “coisas que se devem encontrar no espaço”. [2]

Prosseguindo na análise da expressão, Moore logo buscará as exceções dessa lista – a sombra já seria um primeiro –, pelo fato de não existir uma identificação entre as expressões “coisas que se devem encontrar no espaço” e “coisas que se apresentam no espaço”: o filósofo encontra-se, portanto, ainda na delineação dos problemas gerados pelo estatuto ambíguo de ambas as expressões. Moore nos dá exemplos de coisas que se apresentam no espaço, mas que não podemos afirmar que se segue que devam ser encontradas no espaço. A saber: a imagem-posterior negativa (ou sensação-posterior negativa), a imagem duplicada e a dor corporal. Outro exemplo, só que mais delicado, é o da imagem-posterior que enxergamos com olhos fechados.

Moore, com base em um dos exemplos citados acima, nos atenta ao fato de que uma imagem duplicada que se apresenta no espaço, não é, necessariamente, “encontrável” no mesmo: isso significa que ela não é, necessariamente, objeto da percepção de outros. Assim, uma pessoa pode muito bem ver uma imagem duplicada sem que outra tenha percepção do mesmo fato citado. Quanto às imagens-posteriores negativas (aquelas que vemos num contraste claro-escuro/figura-fundo), nos diz Moore:

As imagens-posteriores negativas do tipo descrito são, portanto, um exemplo de “coisas” que, embora se deva admitir que são “apresentadas no espaço”, não se deve entretanto “encontrá-las no espaço”, e não são “exteriores a nossas mentes” no sentido com o qual estamos preocupados. (MOORE, 1980, p. 281)

O mesmo, seguindo esse raciocínio, se diria a respeito das dores: apresentam-se no espaço (sinto-as no meu dedo quando o corto), mas não posso dizer que devam ser encontradas nele, uma vez que ninguém pode experimentá-la de forma numericamente semelhante. Com os olhos fechados, porém, vejo uma série de imagens; mas qual o espaço no qual se apresentam? Esses exemplos utilizados por Moore são ilustrações para a afirmação de que “se apresentar no espaço não significa ser encontrada no espaço”, ou seja, pelo simples fato de “algo ser percebido por nós não se segue que esse algo tenha uma realidade física”. Então, num primeiro aspecto teremos: “se apresentar no espaço” > “ser encontrada no espaço”.

Entretanto, invertendo a proposição, podemos chegar a um segundo aspecto, “pois há muitas ‘coisas’ encontráveis no espaço, das quais não é verdade que se apresentem no espaço” [3], a saber: “ser encontrada no espaço” > “se apresentar no espaço”. Isso significa que, as coisas existem na realidade física sem que se apresentem no espaço, ou seja, sem que eu as perceba. Constituem-se, para mim, como um objeto da experiência possível:

Não existe, portanto, nada de absurdo na suposição de que muitas coisas, que deveriam em um momento ser encontradas no espaço, nunca fossem “apresentadas” em qualquer momento, e que muitas coisas que se devem encontrar agora no espaço, não são agora “apresentadas”, também nunca foram e nunca serão. (MOORE, 1980, p. 283)

Moore, assim, volta à análise da expressão “coisas exteriores a nós” e reforça, fazendo as analogias que construímos até aqui, que as expressões usadas de formas similares, tais como “encontradas no espaço” e “exteriores a nossas mentes” tampouco esclarecem o ponto em questão, pois sempre encontraríamos uma exceção à regra, um exemplo que dividiria o nosso olhar.

Colocado alguns problemas da linguagem kantiana – e da filosofia de um modo geral –, Moore começa a nos direcionar para a sua prova, aquela que ele diz ser uma dentre muitas possíveis. O filósofo volta, então, àquela lista inicial de coisas “que se devem encontrar no espaço”, ou seja, aos objetos físicos ou materiais. Sem enumerar novamente ou tentar expor mais exemplos, apenas seguiremos o traço delineado por Moore: “Se existem coisas desse tipo (os objetos físicos ou materiais), segue-se que há coisas que devem ser encontradas no espaço”. A essa afirmação, apesar de óbvia, Moore dará extrema importância destacando, aqui, a não-exigência de uma prova separada que asseguraria o vínculo entre os elementos da primeira proposição e de seu consequente, pois tal empreendimento não explicitaria a questão enquanto prova da existência do mundo exterior:

É suficiente para meu propósito que isto fique bem claro, porque, se isto estiver claro, então também estará claro que, como sugeri anteriormente, se provarmos que duas plantas existem, ou que uma planta e um cão existem, ou que um cão e uma sombra existem, etc., etc., teremos provado ipso facto que há coisas que se devem encontrar no espaço: não exigiremos também que se dê uma prova separada de que da proposição de que há plantas segue-se que há coisas que se devem encontrar no espaço. (MOORE, 1980, p. 285)

Mais adiante, Moore se preocupará em “fundamentar” que “se existem coisas desse tipo (como acima), segue-se que há coisas exteriores a nossas mentes”, calcando-se na ideia de que é por uma espécie de independência lógica que algo possui uma exterioridade em relação a nós. Remete a algo que, sendo independente da percepção de um indivíduo e dos demais, também é exterior às mentes dos mesmos. Numa espécie de ironia com Kant, para Moore não precisamos ir muito longe para chegar à conclusão de que, então, basta afirmar que existe um par de coisas para que pelo menos existam duas coisas fora de nós. Uma mão, por exemplo: poderia Moore afirmar a existência de uma mão, ou de duas, para afirmar a existência do mundo exterior?

“Aqui está uma mão”. “E aqui está outra”. Ele, assim, nos dá uma prova rigorosa do mundo exterior, pois se baseia em premissas que sabemos que são o caso. Assim,

Moore estabelece, primeiramente, o que considera ser uma prova rigorosa. Para que uma prova realmente o seja, três condições devem, para ele, ser satisfeitas: (1) a premissa deve ser diferente da conclusão (para evitar uma petição de princípio); (2) a premissa deve ser algo que se sabe ser o caso e que não tenha um estatuto de crença; e (3) a conclusão deve seguir-se logicamente da premissa. Propõe-se, então, a provar a existência de suas mãos. [4]

O mesmo raciocínio será adotado na “segunda prova”, que é aquela acerca da existência dos objetos (as mãos) no passado, ponto que, se não exposto, poderia ser uma brecha para uma refutação idealista ou cética. A guinada que Moore representa, nesse sentido, é a adoção de “provas absolutamente conclusivas” com relação ao discurso filosófico – provas estas que não se distanciariam da vida cotidiana, no sentido de que fazemos um uso bastante frequente delas.

Kant, assim, não representa a palavra final. Moore delimita bem o horizonte de sua prova: para que ela seja válida é preciso que se aceite as premissas, sendo que a conclusão se segue das mesmas. As premissas, no caso, só não seriam aceitas por um cético ou um idealista, pois o primeiro de tudo duvidaria e o segundo buscaria um regresso ao infinito, fugindo do propósito ao qual se submete a prova, o que se traduz numa interminável busca da “prova da prova”, sendo que o ápice seria uma formulação de algum enunciado geral que fosse a “regra da prova”. O que Moore defende, portanto, é que provar “as coisas exteriores a nós” é muito mais fácil do que poderíamos supor.

BIBLIOGRAFIA:

MOORE, G. E. Prova de um mundo exterior (Escritos filosóficos. Cap. VII). Tradução de Pablo Rubén Mariconda. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Os pensadores)

ORMIERES, G. J. Três ensaios de G. E. Moore. São Leopoldo, RS: Editora Unisinos, 2004.

PÁGINAS DA INTERNET:

COELHO, M. P.

http://www.puc-rio.br/pibic/relatorio_resumo2009/relatorio/ctch/fil/maria.pdf

Acesso em: 07/12/10.


[1] Cf. ORMIERES, G. J. Três ensaios de G. E. Moore. São Leopoldo, RS: Editora Unisinos, 2004. pp. 43-44.

[2] Cf. MOORE, G. E. Prova de um mundo exterior (Escritos filosóficos. Cap. VII). Tradução de Pablo Rubén Mariconda. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Os pensadores) p. 279.

[3] Idem. Ibidem. p.283.

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