segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

René Descartes e a prova ontológica de um Deus-razão não enganador



Terceira Meditação
Deus existe, garante o cogito e a nossa potencialidade; e acima de tudo não é enganador: o ponto fixo que nos possibilita conhecer o mundo

As terceira substância de Descartes: "Provar a existência de Deus é provar que as idéias claras e distintas são verdadeiras"; é garantir o res cogitans (substância pensante) e o res extensa (substância corpórea)

Deus. "Uma substância perfeita, infinita, eterna, imutável, independente, onisciente, onipotente e pela qual eu próprio e todas as coisas que são (se é verdade que as coisas existem) foram criadas e produzidas": assim o concebemos em qualidades e assim diz Descartes em sua terceira meditação, após chegar à conclusão que Deus existe. Ao longo da segunda parte dessa meditação, Descartes se empenhará em provar essa existência, apoiando-se no princípio de causalidade, no qual "é coisa manifesta pela razão natural que deve haver ao menos tanta realidade na causa eficiente e total quanto no seu efeito": pois de onde é que o efeito pode tirar sua realidade senão de sua causa? E como poderia esta causa lhe comunicar se não a tivesse em si mesma?".
Eu, como substância pensante e finita, não poderia criar a idéia de um ser perfeito e infinito, pois essas vantagens são muito grandes e importantes, o que nos faz aceitar, baseando-se que do finito não pode criar-se o infinito, que Deus existe; e que mesmo eu sendo uma substância, não teria essa idéia de uma substância infinita se ela não tivesse sido colocada em mim por uma substância que fosse, de fato, infinita.
A argumentação que se segue explicita que existe mais realidade na substância infinita do que na substância finita, pois a noção de infinito é anterior à do finito, ou seja, de Deus antes de mim mesmo. Somos levados a nos perguntar, nesse ponto, se seria possível, sem os atributos de Deus, conhecermos as necessidades de nossa própria natureza. As idéias de que "me falta algo" e de que "não sou totalmente perfeito" remetem à idéia de um ser mais perfeito que o meu. E mesmo que finjamos que um tal ser não existe, não podemos finjir que não nos represente nada de real. Eis uma idéia bastante clara, real, verdadeira e que é, mesmo que eu não compreenda inteiramente o infinito, a mais distinta dentre todas as que se encontram em meu espírito.
Descartes diz que posso ser algo mais do que imagino ser e que todas as perfeições de Deus estejam de algum modo em mim, mas "adormecidas": o meu conhecimento, a cada dia, se aperfeiçoa pouco a pouco (podendo se ampliar ao caminho do infinito), mas, mesmo que tenha esse potencial, não posso comparar isso, de maneira alguma, com a idéia que tenho da divindade.
"Na divindade nada se encontra em potência, mas tudo é atualmente e efetivamente". A própria idéia de "imperfeição de meu conhecimento" se dá ao notar esse crescimento do mesmo, onde ele nunca poderá ser infinito, embora esteja sempre aumentando. Deus não poderia ter sido criado por nós, porque o ser objetivo de uma idéia não pode ser produzido por um ser que existe apenas potencialmente: sua idéia é dotada de um tão alto grau de perfeição, que não podemos acrescentar e tirar nada dela. Porém caímos em nossas velhas opiniões ao relaxar e olhar para as coisas sensíveis...
Por isso, "desejo passar adiante e averiguar se eu mesmo, que possuo essa idéia de Deus, poderia existir, no caso de não haver Deus". De onde me originaria, então? De mim mesmo? De meus pais? Ou de alguma causa menos perfeita do que Deus? Se eu fosse autor de meu ser, se eu fosse independente, com certeza não duvidaria de nada, não sentiria mais desejos e, enfim, não me faltaria perfeição alguma; eu seria, assim, o próprio Deus. E cabe pensar, também, acerca disso: as coisas que nos faltam talvez não sejam mais difíceis daquelas que já possuímos. "Foi muito mais difícil que eu, uma substância pensante, tenha surgido do nada do que seria conseguir as luzes e os conhecimentos de muitas coisas que desconheço, e que são meros acidentes dessa substância". Se eu tivesse sido o meu próprio autor, não me teria privado desses conhecimentos e também das coisas que estão compreendidas na idéia de Deus (que possuem algum grau de perfeição).
Não posso negar que Deus seja o criador de minha vida, mesmo se concebo que talvez eu tenha sido sempre como sou agora: pois todo o tempo de minha existência pode ser dividido em uma infinidade de partes (independentes uma das outras); porém do fato de eu ter sido pouco antes não decorre que eu deva ser agora, exceto se neste momento alguma causa me produza e me crie novamente, em todos os instantes, ou seja, que me preserve. É preciso do mesmo poder e da mesma ação para que sejamos preservados nos instantes de nossa duração; daquele poder necessário para nos criar e produzir caso não existíssemos. Preservação e criação não são coisas diferentes. Nós é que damos nomes diferentes. Será que este poder está em mim? Interrogando a mim mesmo chego à conclusão que não. Não possuo essa virtude de fazer de tal maneira que eu, que sou agora, seja ainda no futuro. Se eu tivesse tal poder, eu teria conhecimento dele, eu poderia pensá-lo. Reconheço, então, que dependo de algum ser distinto de minha substância.
Será que eu poderia ter sido produzido não por Deus e sim por meus pais ou causas menos perfeitas? Para Descartes, isso não pode ser assim. "Porque, como já afirmei antes, é bastante evidente que deve existir ao menos tanta realidade na causa quanto em seu efeito. E, então, por eu ser uma coisa pensante e possuir em mim alguma idéia de Deus, qualquer que seja a causa que se atribua à minha natureza, é preciso confessar que ela deve ser de igual maneira uma coisa pensante e possuir em si a idéia de todas as perfeições que atribuo à natureza divina". Se examinarmos essa causa e chegarmos à conclusão de que ela possuí sua origem e sua existência a partir de si mesma, então, ela própria deve ser Deus: portanto se é e existe por si, ela também possuí todas as perfeições cujas idéias concebe, ou seja, todas aquelas que eu concebo existentes em Deus. Se ela tira sua existência de alguma outra causa diferente de si, prosseguiremos em uma cadeia de causas até que, pouco a pouco, se chegue a uma causa última, que é Deus. Deus é a única idéia que eu posso dar o salto da essência para a existência. Se ele é perfeito, então participa da existência. Se não o é, então não é a causa última e, assim, partiremos em busca dela, que, no final, se comprovará ser o próprio Deus, que nos criou e, atualmente, nos preserva.
Cabe ressaltar que não podemos supor que somos produtos de várias causas juntas, das quais receberíamos separadamente as idéias dos atributos de Deus, pois a unidade, a simplicidade e a inseparabilidade de todas as coisas que existem em Deus é uma das principais perfeições que concebo haver nele. Essa própria idéia de unidade foi posta em mim pela mesma causa da qual eu recebi as idéias de todas as outras perfeições. Porque ela não mais pode ter feito compreender juntas e inseparáveis, sem fazer ao mesmo tempo com que eu soubesse o que elas eram e que as conhecesse a todas de alguma maneira".
No que diz respeito aos meus pais, aos quais devo o meu nascimento (mesmo havendo dúvidas acerca disso), não posso concluir que sejam eles que me mantêm, nem que tenham me feito e produzido enquanto coisa pensante, pois meu espírito se encontra encerrado. "Pelo simples fato de que eu existo e de que a idéia de um ser perfeito, ou seja, Deus, é em mim, a existência de Deus está muito claramente provada".
Como adquiri essa idéia? Não recebi a idéia de Deus através dos sentidos e ela jamais se ofereceu a mim contra a minha expectativa, como o fazem as idéias das coisas sensíveis. Não é pura produção ou ficção de meu espírito, pois não tenho o poder, como dito antes, de acrescentá-la ou diminuí-la. Consequentemente, não restou outra opção: de igual maneira à idéia de mim mesmo (Dubito, ergo cogito, ergo sum), ela nasceu e foi produzida comigo desde o instante em que fui criado.
Deus, ao me criar, colocou em mim esta idéia para ser como a marca impressa em sua obra; e não é também preciso que essa marca seja algo diferente da própria obra. Daí Descartes deduz que é acreditável que Ele tenha nos feito à Sua imagem e semelhança; e que eu conceba essa semelhança pela mesma faculdade pela qual concebo o cogito, o que me faz refletir sobre minhas imperfeições diante de um ser tão perfeito; mas, ao mesmo tempo, aspiro ininterruptamente a algo melhor e maior do que sou e vejo que possuo os atributos divinos potencialmente; porém vejo que Deus os possuí de fato, atual e infinitamente . Deus é uma idéia evidente, assim como o cogito: já salta aos olhos como verdadeira, não precisa de uma demonstração (embora Descartes a tenha feito aqui) e é marcada pela clareza e pela distinção.
"E toda a força do argumento de que aqui me servi para demonstrar a existência de Deus consiste em que reconheço que seria impossível que minha natureza fosse tal como é, isto é, que eu tivesse em mim a idéia de um Deus, se Deus não existisse de fato; esse mesmo Deus do qual existe uma idéia em mim, ou seja, que possuí todas essas altas perfeições de que nosso espírito pode imaginar, sem, contudo, compreendê-las a todas, que não é sujeito a necessidade alguma e que nada possuí de todas as coisas que indicam alguma imperfeição".
Logo, ele não pode ser enganador, pois a razão nos ensina que o embuste depende de alguma necessidade e como Deus é perfeito, não necessita de coisa alguma.
Nos deliciemos, então, com a maior felicidade de que tenhamos o poder de sentir nesta existência, segundo Descartes, e que a fé nos ensina que será a ventura da outra vida: essa contemplação da magnificência divina, que será superior à qualquer meditação.

Um comentário:

Rebecca Isnard disse...

Lindo amor *_* saudades mil!!!
Passa lá no meu blog xD

www.mad_hatter.blogger.com.br