Política educacional brasileira: economia, cultura e reprodução da sociedade
Bárbara Freitag evidencia o papel fundamental e direcionador da economia no sistema educacional brasileiro ao longo da história. Sob as influências do mercado, a educação torna-se umas das instituições que assegurarão a reprodução da cultura e das estruturas de classe, bem como as relações de dominação que daí decorrem, como, por exemplo, a ideologia dominante, que é passada de aula em aula. A análise de Freitag tenta nos explicar o predomínio de certas classes em determinados ramos de ensino. Se esse cenário é muito mais diversificado nos dias atuais, pelo menos a análise deixa claro esse movimento ao longo da história educacional brasileira.
Através de uma periodização que leva em conta as políticas econômicas, a educação possuiu, nesse enquadramento, três momentos: o primeiro momento abrange o Período Colonial, o Império e a I República e corresponde ao modelo econômico de agroexportação (1500-1930); o segundo corresponde ao modelo de substituição das importações (1930-1960); e o terceiro (que não será abordado no trabalho) corresponde ao período da internacionalização do mercado interno (1960 até os dias atuais). Estamos diante de modelos econômicos divergentes que se traduzirão em papéis diferentes desempenhados pelas instituições educacionais, cada um com suas prioridades. Entretanto o que é alertado é a situação da classe subalterna que, mesmo com uma aparente melhora devido à flexibilidade causada pelas novas leis, não mudou muito, uma vez que se encontra lançada num jogo onde os interesses de várias classes entram no cenário. É necessário, então, lembrar que o critério para se identificar uma classe é o econômico. A economia, por sua vez, especifica a formação social como um todo, o que nos revela importante a sua contextualização, mesmo que breve, para que se entenda a questão educacional brasileira. Outras questões que podemos colocar: a educação está a serviço da economia? Ou ela aspira a algo maior?
O primeiro momento foi caracterizado pela pouca importância da educação: a monocultura latifundiária não exigia uma formação, aliás, se exigisse ela seria mínima, por isso uma política educacional gerenciada pelo Estado não existia. A Igreja, pelas escolas de jesuítas, se encarregava de reproduzir a ideologia que, por um lado, já era assegurada pelas relações de produção. A independência política trouxe uma necessidade para a formação de quadros dirigentes e o resultado foi o surgimento de escolas militares, de nível superior. Com a República, a política educacional estatal (muito embrionária) começa a se desenvolver, tomando, assim, o espaço que antes era da Igreja.
O segundo momento é caracterizado pelo modelo de substituição das importações, medida tomada após a grande depressão de 1929 onde grandes mudanças estruturais aconteceram. Um novo grupo ascende na pirâmide social: a burguesia urbano-industrial; e com essa nova organização os aparelhos repressivos do Estado são reorganizados. A educação será uma delas, pois desde a época das escolas de jesuítas, ela era vista como uma "arma pacífica". Ao longo desse período mudanças são implantadas, como a obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário, a contingência do ensino religioso, a introdução do ensino profissionalizante. A Lei Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) só será sancionada em 1961, após um longo processo de reconciliação entre duas propostas que proclamavam diferentes interesses: a proposta de seu primeiro projeto-de-lei encaminhado pelo então Ministro da Educação Clemente Mariani e o "substitutivo Lacerda" encaminhado pelo Deputado Carlos Lacerda. Respectivamente, as principais reivindicações eram: a equivalência e flexibilidade entre ensino médio tradicional e técnico; e a educação como instituição privada, financiada, mas sem a intervenção estatal. O resultado englobará as duas tendências, mas as nobres camadas da sociedade ainda desfrutarão das melhores condições. Entretanto, na teoria, mesmo que "ilusório" na prática, é dada uma chance aos subalternos para uma ascensão social. É aqui que entram os paradoxos que antecedem e que são posteriores a essa lei.
Podemos denominar a educação, com suas funções de reprodução da cultura e das estruturas de classe, como um veículo de ascensão, mas ao mesmo tempo como uma "arma pacífica", uma maneira de apaziguar a classe menos privilegiada no sistema econômico vigente. Classe essa que, ao longo da história, registrou altos índices de evasão das escolas, seja por questões domésticas, de transporte ou relativas ao material didático. A grande polêmica se instaura junto ao ensino profissionalizante, pois visava, com esse tipo de ensino, os "filhos dos operários": a busca por um exército de trabalho (semi-qualificado) é , então deflagrada. O ensino "para as massas" parecia trazer inúmeras vantagens para os futuros profissionais, mas não contribuía para o ingresso no vestibular, já que os alunos dessa rede, em sua maioria, trabalhavam durante o dia para pagarem seus cursos (estudando, assim, de noite), ou seja, pagavam com suas energias. Além disso, esses cursos eram introdutórios na medida em que não correspondiam ao nível que enunciavam: poderiam ser vistos como simples cursos propedêuticos, um curso barato no qual o diploma rápido era a grande meta, um diploma sem muito valor.
Enquanto isso, as escolas de elite e o ensino propedêutico diurno (com um ensino de qualidade superior, que garantia grandes chances de se passar no rigoroso vestibular) eram os alvos das camadas econômicas superiores. Configura-se, assim, o cenário que reproduzirá a força de trabalho e uma sociedade de classes. O ensino superior das renomadas universidades (principalmente os cursos tradicionais como direito, medicina e engenharia) continuará nas mãos da elite e que, por sua vez, fará parte, novamente, dos quadros dirigentes do nosso país.
A LDB reflete as tensões do longo período em que é elaborada: tentando atender as classes subalternas (pela equivalência e flexibilidade entre os cursos tradicionais e técnicos) e também a elite (assegurando o setor privado na educação). Ambos, Estado e iniciativa privada, podem ministrar cursos no Brasil. E essa "simples" lei se desdobrará em vários outros paradoxos em nossa sociedade ao longo dos anos.
Bibliografia:
Freitag, Bárbara. Escola, Estado e Sociedade- 4. ed. rev.- São Paulo: Moraes, 1980. (Coleção educação universitária)
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