Reflexões (???) de um futuro educador...
A filosofia, longe de ser somente encarada como uma disciplina a ser ministrada no nível médio (ou até universitário), nos traz inúmeros paradigmas. Devido a seu caráter amplo, pela sua relação mesma com as várias áreas do saber, encontramos dificuldades, inclusive, na tentativa de definição mais elementar para a pergunta “o que é filosofia?”.
A cobrança de questões de filosofia no vestibular e a volta da filosofia como disciplina obrigatória no ensino médio suscitaram questões antes deixadas em um segundo plano. A pergunta tão clássica na história do pensamento filosófico entra, com todo o direito, no cenário educacional brasileiro: “para que, então, a filosofia na sala de aula?”.
Um futuro docente deve ficar atento as possíveis problematizações:
Habitamos uma tradição pedagógica fundada na lógica da transmissão. Todavia, não está claro o que se transmite no ensino de filosofia. É evidente que não se pode reduzir a filosofia à transmissão de conteúdos filosóficos. Contudo, a ausência de qualquer forma de transmissão é também problemática. Sócrates parece sugerir que, em filosofia, nada há para transmitir a não ser um gesto que, em si mesmo, não pode ser transmitido.
(KOHAN, 2009, p. 75)
A filosofia encontra-se, de certa forma, entre dois caminhos: o formativo e o informativo, entre uma tentativa constante de desenvolvimento de um pensamento crítico e um volume imenso de conteúdo a ser ministrado e decifrado. É inegável o grande potencial que a filosofia conserva – em seu cerne – na formação de um cidadão mais crítico e mais aberto ao questionamento autônomo, mas, enquanto disciplina obrigatória, a filosofia também deverá seguir um currículo específico, de acordo com as diretrizes educacionais e com a as recomendações de cada instituição em particular.
Para um futuro docente de filosofia o aprender e o ensinar nunca devem ser cristalizados (como atividades prontas e acabadas), mas devem ser pontos de tensão constantes – uma troca que permite desenvolver novas possibilidades e relações de poder dentro da sala de aula.
Afirma-se que a inclusão da filosofia no ensino médio (assim como a da sociologia) veio ao socorro de um ideal de educação que privilegia a formação humana – uma abordagem humanista da educação –, visando dar ao aluno os meios básicos para o exercício pleno da cidadania, que são – antes do conhecimento das próprias leis que regem o nosso país – o da conquista de uma autoconsciência, o do abandono de preconceitos e o da busca de uma sociedade mais justa e igualitária. O próprio surgimento da filosofia será um exemplo a ser dado aos alunos – pois discursa sobre uma tentativa de uma compreensão verdadeira acerca da natureza e, depois, sobre a busca sincera e democrática da verdade.
O que podemos concluir perante as exigências curriculares (“concluir” – entre aspas –, pois em filosofia não privilegiamos as conclusões, mas sim as perguntas) é que elas estabelecem mais um paradigma – senão um obstáculo a ser superado – que exigirá do profissional o desenvolvimento de novas estratégias de ensino. Numa visão um tanto particular, compreendemos que o programa proposto é imenso (para a pouca carga horário da disciplina nas grades curriculares) e esperamos, assim, que problemas (e, consequentemente, soluções) nasçam quando nos encontrarmos na prática efetiva do ensino.
A forma como avaliaremos nossos alunos também será uma questão colocada em pauta, pois – se levarmos em consideração a fala do professor Kohan – estaremos tentando avaliar algo que não é, literalmente, um conteúdo a ser passado pelo professor e assimilado pelo aluno.
Dentre os ideais que sustentamos, está a crença de que a filosofia pode sim contribuir para a formação de um indivíduo que se paute, assim como a imagem sustentada por Sócrates, por uma busca pelo saber – visando uma transformação, tanto própria quanto a de seu contexto histórico-cultural. Acima de tudo, desejamos – assim como Bachelard, em sua obra poética – despertar no aluno um desejo de leitura. Essa leitura, porém, jamais pode ser uma leitura rápida. Aqui, Bachelard nos fala de poemas; entretanto, poderíamos dizer o mesmo da filosofia?
Mas não basta receber, é preciso acolher. É preciso, dizem em uníssono o pedagogo e o dieteticista, “assimilar”. Para isso, somos aconselhados a não ler com demasiada rapidez e a cuidar para não engolir trechos excessivamente grandes. Dividam, dizem-nos cada uma das dificuldades em tantas parcelas quantas forem necessárias para melhor resolvê-las. Sim, mastiguem bem, bebam em pequenos goles, saboreiem verso por verso os poemas. Todos os preceitos são belos e bons. Mas um princípio os comanda. Antes de mais nada, é necessário um bom desejo de comer, de beber e de ler. É preciso desejar ler muito, ler mais, ler sempre.
(BACHELARD, 2006, p. 26)
Referências bibliográficas:
BACHELARD, G. A poética do devaneio. Tradução: Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
KOHAN, W. O. Filosofia: o paradoxo de aprender e ensinar. Tradução: Ingrid Müller Xavier. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.
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