Fenomenologia do Espírito; Capítulo IV- A verdade da certeza de si mesmo
§167
Enumeramos aqui passagens relevantes para a compreensão do referente parágrafo.
- Com a consciência-de-si entramos, pois, na terra pátria da verdade.
Esse é o primeiro momento, especificado por Hegel, do caminho percorrido pelo espírito para a conquista da autoconsciência, onde encontramos uma consciência fechada em-si, que observa o mundo sensível e o toma como verdade independente de si. Estamos, por enquanto, na primeira fase do momento da consciência, onde o particular é tomado como verdade. Segundo Alexandre Kojève (Introdução à Leitura de Hegel, p. 47), “a consciência-de-si é certeza e verdade: a verdade de uma certeza e a certeza de uma verdade”. Há, porém, uma oposição fundamental entre sujeito e objeto.
-Se consideramos essa nova figura do saber – o saber de si mesmo – em relação com a precedente – o saber de um Outro – sem dúvida, que esse último desvaneceu; mas seus momentos foram ao mesmo tempo conservados; a perda consiste em que estes momentos aqui estão presentes como são em si.
-Assim, o que parece perdido é apenas o momento-principal, isto é, o subsistir simples e independente para a consciência.
Mesmo que o particular apareça como verdade, ele é contraditório, começamos a perceber que existe algo que “nos lança impressões”. Percorreremos, então, o caminho proposto por Hegel: a dialética, na qual teremos um momento “negativo” e “positivo”. Os opostos, então, se reconciliam, pois o afirmativo já trás consigo a sua negação. Não há um desaparecimento do oposto, só uma supressão da característica que o particularizava, pois ele continua a existir no outro, que é ele mesmo. Hegel pretende nos mostrar o dinamismo que rege a maneira pela qual a consciência mostra-se para nós. Há um momento do em-si, do estático. Após esse momento temos uma saída de si, na qual nos confrontamos com os objetos, mas que foi preparada necessariamente pelo primeiro momento, que impulsionou a consciência pela busca da verdade, em detrimento da certeza inicial.
-Mas de fato, porém, a consciência-de-si é a reflexão, a partir do ser do mundo sensível e percebido; é essencialmente o retorno a partir do ser-Outro.
Hegel quer destacar que o outro é figura capital, ou seja, integralmente importante no autoconhecimento: as ações começam no eu, passam pelos outros e voltam para o eu (refluxo). O movimento próprio do Espírito é o “movimento do refletir-se em si mesmo”: há três momentos; um do ser em si; o outro do ser “fora de si” ou “ser outro” e um terceiro que é o do “retorno a si” ou “ser em si e para si.”
-Para a consciência-de-si, portanto, o ser-Outro é como um ser ou como momento diferente; mas para ela é também a unidade de si mesma com essa diferença, como segundo momento diferente.
Como ressaltado na História da Filosofia de Giovanni Reale e Dario Antiseri (Volume 3, p.108): “O momento dialético está presente em todo o momento da realidade (...): a semente deve transformar-se no seu oposto para tornar-se broto, ou seja, deve morrer como semente; a criança deve morrer como tal e transformar-se no seu oposto para tornar-se adulto, e assim por diante. O negativo que emerge do momento dialético, em geral, consiste na “falta” que cada um dos opostos revela quando se defronta com o outro. Mas é exatamente essa “falta” que se revela como a mola que impele, para além da posição, a uma síntese superior, que é o momento especulativo, ou seja, o momento culminante do processo dialético.”
-O mundo sensível é para ela um subsistir, mas que é apenas um fenômeno, ou diferença que não tem em si nenhum ser. Porém essa oposição, entre seu fenômeno e sua verdade, isto é, a unidade da consciência-de-si consigo mesma. Essa unidade deve vir-a-ser essencial a ele, o que significa: a consciência-de-si é desejo, em geral.
Esse caminho que começa a se delinear é o a autoconsciência, no qual a consciência começa a entender o que ela é. Hegel exalta o seu caráter de apropriação, no qual o outro é visto como um objeto de desejo: um meio para o fim. Nesse momento a consciência quer fazer tudo depender de si; ela tenta excluir a alteridade independente de si, seguindo seu apetite. Entretanto, o outro passará de não essencial para capital, pois essa autoconsciência irá se confrontar com outras e isso significa que ela não poderá ficar estática.
-A consciência tem de agora em diante, como consciência-de-si, um duplo objeto: um, o imediato, o objeto da certeza sensível e da percepção (...), o segundo objeto é justamente ela mesma, que é a essência verdadeira e que de início só está presente na oposição ao primeiro objeto. A consciência-de-si se apresenta aqui como o movimento no qual essa posição é suprassumida e onde a igualdade consigo mesma vem-a-ser para ela.
Como conclusão, temos a consciência como algo que depende do contato, do confronto com o outro, pois ela surge dessa oposição, tornando-se, depois, um objeto mesmo de sua própria consciência. Giovanni Reale e Dario Antiseri ilustram com a seguinte passagem de Hegel (p. 118): “O indivíduo que não pôs a vida em risco pode muito bem ser reconhecido como pessoa (em abstrato), mas não alcançou a verdade desse reconhecimento como reconhecimento de autoconsciência independente”.
KOJÈVE, Alexandre. Introdução à Leitura de Hegel. Tradução de Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto/ Editora da Universidade do Rio de Janeiro, 2002.
- REALE, G. & ANTISERI, D. - História da Filosofia: Do Romantismo até nossos dias, Vol III, 3ª Edição. São Paulo: Paulus, 1990.
Um comentário:
Estou há tempo lendo e relendo os quatro primeiros capítulos da Fenomenologia, com fortíssimas, digamos, "intuições" que extraio das dificuldades, e lembro Lenin, quando disse que é "impossível entender entender O Capital sem entender toda a Ciência da Lógica de Hegel. Por essa razão, diz o grande bolchevique nos Cadernos Filosóficos, "50 anos depois ninguem entendeu Marx". Não é atualíssimo?
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