Fenomenologia do Espírito; Capítulo IV- A verdade da certeza de si mesmo – A – INDEPENDÊNCIA E DEPENDÊNCIA DA CONSCIÊNCIA-DE-SI: DOMINAÇÃO E ESCRAVIDÃO.
-Hegel expõe o conflito interno de cada sujeito entre o desejo por si mesmo e o desejo pelo outro, como necessidade de reconhecimento inerente a todo ser humano, em virtude do qual cada eu aspira a ser reconhecido por outrem assim como também aspira à sua destruição.
§186
De início, a consciência-de-si é ser-para-si simples, igual a si mesma mediante o excluir de si todo o outro.
-Segundo Kojève, o Ser-para-si nega os outros em um primeiro momento;
-Nesse primeiro momento nós ignoramos que “a consciência se acha numa outra”, pois temos a tendência de achar que é nela mesma que ela se encontrará. Nós ignoramos um aspecto de alienação, de estranhamento: ela vai encontrar ela mesma em um lugar que não é o seu próprio.
-Caímos no solipsismo, pois excluímos o outro no que se refere ao autoconhecimento.
-Tomamos consciência de que somos desejo.
Para ela, sua essência e objeto absoluto é o Eu; e nessa imediatez ou nesse ser de seu ser-para-si é [um] singular. O que é Outro para ela, está como objeto inessencial, marcado com o sinal do negativo. Mas o Outro é também uma consciência-de-si; um indivíduo se confronta com outro indivíduo.
-Inicialmente, a autoconsciência se manifesta como caracterizada pelo apetite e o desejo, ou seja, como tendência a se apropriar das coisas e fazer tudo depender de si, a “tolher a alteridade que se apresenta como vida independente”.
-O outro é visto como objeto;
-Esse “objeto” vai ser o único “objeto” que também será um sujeito: fará com a consciência o que ela faz com esse “objeto”. Um confronto de consciências está para se anunciar. Ambas as consciências podem desejar um mesmo objeto, a outra consciência (como se fosse um objeto) ou, ainda, uma terceira consciência (vista também como objeto).
-Nessa imediatez, a consciência pretende possuir o objeto no momento que lhe convém, a qualquer custo. Ela quer “aqui e agora”, como uma criança. Entretanto, após entrar no confronto com outra consciência, essa deixará de ser vista como inessencial: inicia-se a luta de vida ou morte.
Surgindo assim imediatamente, os indivíduos são um para o outro, à maneira de objetos comuns, figuras independentes, consciências imersas no ser da vida – pois o objeto aqui se determinou como vida. São consciências que ainda não levaram a cabo, uma para a outra, o movimento da abstração absoluta, que consiste em extirpar todo ser imediato, para ser apenas o puro ser negativo da consciência igual-a-si-mesma.
-O desejo dos desejos é o desejo por a si mesmo, de retorno a si, de plenitude, de totalidade.
-Segundo Alexandre Kojève, “Ser homem é não ser retido por nenhuma existência determinada. O homem tem a possibilidade de negar a natureza e sua própria natureza, seja ela qual for. Ele pode negar a sua natureza animal empírica, pode querer a morte, arriscar a vida. Tal é o seu Ser negativo: realizar a possibilidade de negar e transcender, ao negá-la, sua realidade dada; ser mais e ser outro em relação ao ser que apenas vive.” Continua Kojève: “É preciso realizar a negatividade, e ela se realiza na e pela ação, ou como ação.”
-As consciências que entram em cho que, porém, ainda não tomaram consciência de que são uma para a outra. Entretanto, o passar para o próximo estágio desabrochará no reconhecimento de que o outro é autônomo e livre: para tal, porém, ele tem que ser reconhecido como livre e autônomo por outra consciência livre a autônoma. Jacques d’Hondt coloca que “Dois inimigos só se encarniçam um contra o outro na medida em que um interesse comum mantém o combate. Não existe contradição ativa na indiferença e na exterioridade!”
-O problema do reconhecimento será colocado, mas como uma ambiguidade crucial: quer-se ser reconhecido sem reconhecer.
-O grande obstáculo desse primeiro momento é suprassumir o em-si inicial. Tal tarefa será mediada pela experiência e no embate de consciências, no qual o preenchimento do desejo é visto como não-imediato pela consciência desejante: teremos que percorrer meios que, axiologicamente falando, são menos importantes que os fins. Esse fim é o próprio totalizar-se e o reconhecimento mediado pelo outro.
-O outro é marcado com o sinal de negativo, enquanto a positiva é ela mesma.
Quer dizer: essas consciências ainda não se apresentaram, uma para a outra, como puro ser-para-si, ou seja, como consciência-de-si. Sem dúvida, cada uma está certa de si mesma, mas não da outra; e assim a sua própria certeza de si não tem verdade nenhuma, pois sua verdade só seria se seu próprio ser-para-si lhe fosse apresentado como objeto independente ou, o que é o mesmo, o objeto [fosse apresentado] como essa pura certeza de si mesmo.
-A desigualdade entre ser reconhecido e não ser reconhecido é básica para entender esse jogo de consciências, pois no primeiro momento nós temos somente um reconhecimento mutilado: a consciência é ego-ísta, pois quer considerar-se prioritária no seu reencontro.
-A consciência quer arrancar do outro a visão que ela tem dela, ou seja, a consciência quer ser objetivamente configurada: só assim a sua própria certeza será verdade.
-“Ele (o homem) deve arriscar a vida para forçar a consciência do outro. Deve travar uma luta pelo reconhecimento. Ao arriscar a vida, ele prova ao outro que não é um animal; ao buscar a morte do outro, prova ao outro que o reconhece como homem”, diz Kojève. Na luta pelo reconhecimento, teremos uma consciência que domina e outra que é dominada.
Mas, de acordo com o conceito do reconhecimento, isso não é possível a não ser que cada um leve a cabo essa pura abstração do ser-para-si: ele para o outro, o outro para ele; cada um em si mesmo, mediante seu próprio agir, e de novo, mediante o agir do outro.
-O reconhecimento é essencial e indispensável, mas a vida é tão importante quanto ele.
-Hegel, no devido parágrafo, estabelece que, para que tenhamos um reconhecimento, temos que fazer abstração do ser-para-si: sair dele e ir para o outro, numa espécie de apropriação do outro pelo mesmo e de identidade na alteridade.
-Segundo Reale e Antiseri, “Toda autoconsciência tem necessidade estrutural da outra e a luta não deve ter como resultado a morte de uma das duas, mas a subjulgação de uma à outra”. O dominante será aquele que arriscou a própria vida para ser reconhecido e o dominado será aquele que preferiu viver e ser subserviente.
Foram consultadas, a fim de clarear o denso conteúdo da Fenomenologia, as seguintes obras:
-KOJÈVE, Alexandre. Introdução à Leitura de Hegel. Tradução de Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto/ Editora da Universidade do Rio de Janeiro, 2002, pp. 49-54.
- Dicionário de Obras Filosóficas/ Diretor da publicação Denis Huisman. São Paulo: Martins Fontes, 2001. [Verbete: Fenomenolgia do Espírito, pp. 226-229].
-D’HONDT, Jacques. Hegel. Tradução de Emília Piedade. Lisboa: Edições 70, 1984.
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