sábado, 21 de novembro de 2009

O Uso dos Prazeres


História da Sexualidade 2 – O Uso dos Prazeres

Introdução:

1- Modificações;

2- As formas de problematização:

1.Um medo,

2.Um esquema de comportamento,

3.Uma imagem,

4.Um modelo de abstenção;

3- Moral e prática de si.


1- Modificações:

-Foucault delineia a sua mudança de rumo na pesquisa: “Meu propósito não era o de reconstruir uma história das condutas e das práticas sexuais de acordo com as formas sucessivas, sua evolução e difusão. Também não era minha intenção analisar as ideias (científicas, religiosas ou filosóficas) através das quais foram representados esses comportamentos.”

-Evidencia, assim, que não fará uma genealogia dos comportamentos e sim uma experiência do pensamento em ética contemporânea, que trataria do homem do desejo. Este, por sua vez, não possuiria uma essência fundamental. Se detendo, em particular, na noção de sexualidade, Foucault pretende estudar o desejo e o sujeito desejante, tomando distanciamento em relação a essa noção, contornando sua evidência familiar, analisando o contexto teórico e prático ao qual ela é associada.

-Para Foucault, o termo “sexualidade” (criado no início do séc.XIX) “não marca a brusca emergência daquilo a que se refere”, pois foi apropriado por diversos campos do saber, desde o religioso, científico e jurídico ou, antes disso, se ramificou em diversos campos do saber. Ao invés de remeter ao seu significado, tratava-se de uma experiência de reconhecimento enquanto sujeito desejante através de regras e coerções. “O projeto era o de uma história da sexualidade enquanto experiência (correlação entre campos do saber, tipos de normatividade e formas de subjetividade).”

-Esse projeto historicista, se choca com as concepções tradicionais, que enxergam o sujeito desejante como uma invariante encoberta que se manifesta de diferentes maneiras.

-Entretanto, falar de uma experiência histórica singular nos colocaria outros problemas, principalmente, no que diz respeito ao reconhecer-se como sujeito de uma sexualidade, pois colocam em questão as tão aceitas teorias acerca do desejo e de seu sujeito. Foucault não faz uma hermenêutica, mas sim um estudo histórico das hermenêuticas que decifravam, a partir do desejo, a verdade do sujeito, ou seja, seu ser. Tal genealogia faz um recuo histórico de pensamento para trazer algo que mude o olhar que temos em relação ao presente. Para isso surge a pergunta: “como o homem se reconheceu como sujeito do desejo ao longo da história?”

-Tal empreendimento, que basicamente partiu da busca das condições que possibilitaram o surgimento de uma concepção de desejo, faria necessário um estudo dos jogos de relações de si consigo mesmo e a constituição de si mesmo como sujeito. Foucault, assim, busca evidenciar elementos capitais para uma história da verdade ou da dicotomia verdadeiro-falso.

-“Através de quais jogos de verdade o homem se dá seu ser próprio a pensar quando se percebe como louco, quando se olha como doente, quando reflete sobre si como ser vivo, ser falante e ser trabalhador, quando ele se julga e se pune enquanto criminoso? Através de quais jogos de verdade o ser humano se reconheceu como homem do desejo?”, questiona Foucault.

-A problemática desenvolvida desembocará no entrelaçamento visível entre sexualidade e preocupação moral. Sendo um entrelaçamento artificial ou não, Foucault buscará as condições de possibilidade que permitiram a valorização moral do sexual: “por que o comportamento sexual, as atividades e os prazeres a ele relacionados, são objeto de uma preocupação moral?”, “por que esse cuidado ético é mais valorizado do que outras esferas vitais e/ou sociais?” Entramos de imediato, pois, no problema da transgressão onde o recuo de uma dada regra é considerada falta grave. Porém Foucault enfatizará que, mais do que isso, a grande questão é a de que a preocupação moral será tão maior quanto menor for a obrigação e/ou a proibição.

-O objetivo que o conduzirá ao longo da obra é claramente delineado: “definir as condições nas quais o ser humano ‘problematiza’ o que ele é, e o mundo no qual ele vive.”

-A “estética da existência” será abordada, juntamente com a noção fundamental de “artes da existência” (práticas importantes, exercícios de autoconstituição, técnicas da existência): escolhas pessoais sem a imposição de leis, o que significa que não existem leis severas que regem as escolhas pessoais. É exaltada a possibilidade de “fazer de sua vida uma obra que seja portadora de valores estéticos e responda a certos critérios de estilo”, ou seja, de que a própria vida é um trabalho permanente. Essas técnicas foram desvalorizadas ao longo da história, mas Foucault quer resgatá-las para um exercício de reflexão, visando, assim, uma mudança de perspectiva e de vida.

-Longe de uma hermenêutica, Foucault pretende fazer um diagnóstico do presente, “analisando, não os comportamentos, nem as ideias, não as sociedades, nem sua ideologias, mas as problematizações através das quais o ser se dá como podendo e devendo ser pensado, e as práticas a partir das quais essas problematizações se formam.”


2- As formas de problematização:

-Foucault substitui uma história dos sistemas de moral, feita a partir das interdições, por uma história dos sistemas de moral, feita a partir das interdições, por uma história das problematizações éticas, feita a partir das práticas de si.

-Foucault exalta as diferenças entre a “moral sexual do cristianismo” e a “moral sexual do paganismo antigo”, traçando-as, principalmente, em relação à natureza do ato sexual, fidelidade monogâmica, relações homossexuais e castidade, mostrando que, embora o cristianismo tenha supervalorizado tais temáticas (levando-as ao extremo das discussões morais), o paganismo antigo não se guiou arduamente por tal caminho. Entretanto, podemos encontrar, nos escritos antigos, problematizações de natureza moral envolvendo tais temáticas. Esse fato ilustra, também, o olhar sempre novo que podemos lançar sobre a história.

1.Um medo: Foucault exemplifica uma problematização marcante na medicina e na pedagogia que se inspira em concepções como as do médico grego Areteu: grandes males virão para aqueles que abusarem de seu sexo. O grande “castigo” é a própria degradação do organismo e, consequentemente – a nível global –, da raça.

2.Um esquema de comportamento: Entre os modelos apresentados, o “modelo do elefante” de São Francisco de Sales, representando uma variação da Histoire Naturelle de Plínio, postula que o exemplo do elefante é um exemplo de moralidade sexual: pelas e honestas disposições são observáveis no acasalamento desse animal. Seguir seu exemplo conferiria, para os moralistas, um grande valor. A austeridade torna-se evidente, na medida em que uma ascese só é possível através de um rigor, não exigido por leis fixas, mas por condutas morais que têm como motor o próprio sujeito “consigo mesmo”. Os escritos, as sínteses de pensamento, os “mandamentos” e as fabulações são, aqui, os princípios e/ou os motivadores que nos fariam refletir sobre nossas práticas.

3.Uma imagem: Perfis de condutas são traçados ao longo da história, muitos considerados desvios da natureza. Sendo assim, há uma descrição que os desqualifica. Muito mais do que a questão sexual, os perfis englobavam o comportamento numa visão mais ampla. Por exemplo: na Antiguidade grega, onde as relações homossexuais eram aceitas, o perfil do efeminado era negativo, pois, mais do que virilidade, relacionava-se com questões de pudor e do próprio sentido de ser cidadão, uma vez que denotava um sentido de passividade e inversão de papéis morais e políticos, também visíveis fisicamente.

4.Um modelo de abstenção: “Um herói virtuoso que é capaz de se desviar do prazer, como uma tentação na qual ele sabe não cair, é uma figura familiar ao cristianismo, como foi corrente a ideia de que essa renúncia é capaz de dar acesso a uma experiência espiritual da verdade e do amor, a qual seria excluída pela atividade sexual. Mas é igualmente conhecida da Antiguidade pagã a figura desses atletas da temperança que são suficientemente senhores de si e de suas concupiscências para renunciar ao prazer sexual.”. No entanto, mesmo que tracemos pontos comuns entre ambas, o paganismo antigo e o cristianismo não formam uma relação de continuidade (no sentido pleno do termo), pois, no caso do paganismo, víamos uma pluralidade de condutas morais, dirigida, na maioria das vezes, a homens. Além do mais, esses modelos não se impuseram como obrigação, mas como um “suplemento moral”: aqueles capazes, o seguiriam. O acesso à verdade através da áskesis (purificação) traria benefícios ao próprio sujeito, com efeitos muito mais amplos do que somente de um âmbito exclusivamente cognitivo. Essa reflexão moral se dirige aos homens, prescrevendo que “eles devem fazer uso de seu direito, de seu poder, de sua autoridade e de sua liberdade”.


3-Moral e prática de si

-Foucault trabalha o conceito de moral, considerando duas compreensões que podemos ter: “um conjunto de regras e valores de ação propostas aos indivíduos por intermédio de aparelhos prescritivos diversos ou o comportamento real dos indivíduos em relação às regras e valores que lhes são propostos.” Entre a tensão das duas faces de um conceito, temos também, acima das duas e representando uma característica ímpar do sujeito singular, “a maneira pela qual é necessário ‘conduzir-se’”.

-As práticas refletidas são, aqui, de suma importância, pois representam a oportunidade do sujeito, enquanto sujeito moral, de ser o sujeito de suas próprias ações, independentemente de qualquer instituição mais abrangente na qual ele esteja inserido.

-O objetivo, então, é ser um sujeito ativo e não, simplesmente, um agente. Em sua pesquisa, Foucault exalta a capacidade de divergência, a partir de práticas refletidas e exercícios de autoconstituição, que, muito mais do que nos fazer seguir os ditos de algum código, nos fazem ampliar o leque de possibilidades no que diz respeito às maneiras de se conduzir.

-Segundo Foucault: “Elas concernem ao que se poderia chamar determinação da substância ética, isto é, a maneira pela qual o indivíduo deve constituir tal parte dele mesmo como matéria principal de sua conduta moral”. E mais: “Os movimentos contraditórios da alma, muito mais que os próprios atos em sua efetivação, é que serão, nessas condições, a matéria da prática moral”.

-Devemos, assim, estar atentos ao modo de sujeição, que denota a relação que o sujeito estabelece com relação aos códigos que “supostamente” o rege. Mais do que uma total oposição entre códigos e subjetivação: o sujeito permeia, julga e reflete sobre essas duas instâncias.

Um comentário:

Unknown disse...

Obrigada por disponibilizar o texto. É de grande ajuda para queles que estão estudando Michel Foucault.