Bruno Latour, para superar a dicotomia entre internalismo e externalismo, adota uma perspectiva de forças, imanente ao trabalho racional e científico, negando as dicotomias clássicas da filosofia da ciência: ciência-política, ciência-sociedade e internalismo-externalismo.
A noção de força em Latour não é a priori, pois somente na prática científica poderemos – esta, por sua vez, sofrendo em rede os efeitos de suas ações – compreender seu real sentido. Sua noção de força está atrelada ao cenário histórico-social no qual a ciência se desenvolve, nos mostrando a impossibilidade de simples dicotomias que se traduzem em pólos distintos. Latour, visando recompor o eixo ciência, natureza e sociedade, adota uma perspectiva de redes de forças que se afetam de maneira mútua, sem um caráter hierárquico.
Tal noção é capital para a constituição do objeto da história das ciências – história essa que é “empírica, filosófica, teórica e agnóstica em termos de ciência”. Segundo Latour, para se fazer uma história das ciências, não precisaríamos situar-nos dentro da lógica científica ou no campo das provas irrefutáveis, mas sim analisar essas redes de tensões que se traduzem em forças, num autêntico modelo de guerra. Analisar a razão filosófica e científica “é mostrar de que maneira as forças lutam entre si”, suas relações constantes e suas mudanças de ângulo.
O micróbio pode ilustrar, em linhas gerais, essa perspectiva de rede. Um micróbio é uma teoria, um discurso, que necessita ser verificado – que oferece uma resistência material. Entretanto, já no nível do discurso, o micróbio exerce sua influência na sociedade, sofrendo a devida resistência (ou seja, sua força contrária, oposta). Essa sociedade, porém, não é “una”, pois temos aqueles que assistem ao desenvolvimento científico e aqueles que investem com capital nas pesquisas. Esse simples exemplo, porém, não se resume a esses aspectos, pois – como encontram-se em rede – os elementos se fazem repercutir e afetar de diversas maneiras, sofrendo suas respectivas transformações daí resultantes. As próprias redes, por sua vez, sofrem suas transformações.
O objeto da história das ciências, porém, é mais que o objeto dessa dinâmica, também não se isolando em pólo algum, mas que não se confunde com o objeto próprio da ciência e da história comum. É, pois, acima de tudo uma construção original.
Bibliografia:
PORTOCARRERO, V. As ciências da vida: de Canguilhem a Foucault. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009.
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