terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Espinosa e a Crítica ao Livre Arbítrio


CRÍTICA À NOÇÃO DE LIBERDADE DA VONTADE OU LIVRE ARBÍTRIO NA FILOSOFIA DE ESPINOSA

“A vontade não pode ser chamada causa livre, mas unicamente necessária” [1]

A questão da liberdade representa um tema clássico da filosofia, sendo um conceito que coleciona muitas polêmicas, pois envolve a clássica oposição entre necessidade e contingência. Baruch Espinosa, sendo um filósofo racionalista e determinista absoluto, recusa uma ideia de vontade livre, alegando que a faculdade de livre arbítrio não passa de uma ilusão da imaginação. Sendo característica de nossa consciência imediata, a imaginação apenas representaria um primeiro gênero de conhecimento, constituindo, assim, fonte de falsidade. Assim, “a crença no livre arbítrio é, aos olhos de Espinosa, o preconceito primordial, fonte de todos os outros.” [2]

O presente trabalho pretende explicitar a crítica à noção de liberdade da vontade (ou livre arbítrio) na filosofia de Espinosa, tomando como base sua obra mais importante, que é a Ética. Nela Espinosa segue uma trajetória que vai da metafísica e da epistemologia à ética, nos trazendo uma crítica à vontade livre, tradicionalmente segundo a qual o sujeito teria pleno poder de escolha entre o “sim” e o “não”, e também uma nova concepção de liberdade aos moldes de sua filosofia determinista. Para que consigamos compreender sua argumentação, faz-se importante, em linhas gerais, a exposição de alguns pontos, para que assim tenhamos base para defender sua crítica e, sem contradição alguma, poder chamá-lo de filósofo da liberdade e designar sua filosofia como uma filosofia de (e para) homens livres.

Em primeiro lugar, Espinosa considera que o homem é submetido às leis necessárias que regem a Natureza, não existindo, assim, a possibilidade de contingência, pois, seguindo-se o princípio de causalidade, atestaríamos que para tudo há uma causa e esta, por sua vez, encontra-se na própria Natureza, e não em um plano transcendente. A identificação entre Deus e a Natureza é capital para a construção argumentativa que visa criticar o livre arbítrio:

A identificação entre Deus e a Natureza, assinalada na citação do Tratado e demonstrada na primeira parte da Ética, por si só já indica claramente que o Deus de Espinosa em nada se confunde com o Deus transcendente, pessoal e criador da tradição judaico-cristã. Seu Deus é imanente à Natureza, e o conhecimento de nossa união com ele nada mais é do que o conhecimento intelectual de nós mesmos como partes da Natureza, partes integralmente submetidas, como todas as outras, às leis causais necessárias que regem o comportamento das coisas naturais. Neste espaço teórico dominado pelas ideias de imanência e necessidade, a exigência racionalista de inteligibilidade integral do real será colocada a serviço da intuição fundamental da unidade da Natureza e levada às últimas consequências. [3]

Uma vez que o homem é submetido às leis da Natureza, que é a totalidade e identifica-se com Deus – sendo a única substância e causa de si mesma -, a vontade, que segundo Espinosa é a essência do homem, não representa algo transcendente, mas está submetida às mesmas leis naturais as quais todos os outros fenômenos também estão. Para Espinosa tudo é causa de alguma coisa: com a vontade isso não poderia ser diferente. Torna-se importante destacar o conceito de conatus, termo que significa esforço em latim, para compreender a determinação, que necessariamente engloba a vontade, pois “o interesse do corpo e da alma é a existência e tudo quanto contribua para mantê-la.” [4]

Segundo Espinosa, “o esforço pelo qual cada coisa se esforça por perseverar em seu ser nada mais é do que a sua essência atual” [5], sendo que, a partir das afecções que a coisa sofreu, ela tende sempre a buscar aquilo que a conserve ou aumente a sua capacidade de afetar outros corpos. O conatus, portanto, é uma potência natural de autoconservação, “com a peculiaridade de que somente os humanos são conscientes de possuir o esforço de perseveração na existência” [6]. Ao possuirmos a ilusão de que, como resultado de nossa absoluta e livre vontade, podemos escolher entre o “sim” e o “não”, nós estamos ignorando o fato de que tal estado de passividade e dúvida é somente a oscilação entre duas vontades contrárias, uma limitando a outra, e que ambas tendem a perseverar em seu ser, sem nenhuma contradição interna. É a partir desses aspectos apresentados que podemos enxergar a crítica de Espinosa ao livre arbítrio, pois, em última análise, ao ter a consciência de que possuímos um apetite - constituindo, assim, o que chamamos de desejo - não significa que somos os autores dos mesmos: apenas seguimos uma série de determinações causais, sem conhecê-las completamente. E, assim, acreditamos desejar livremente. Entretanto, ter a consciência do apetite não muda em nada a sua natureza, sendo que esse somente será superado por um apetite mais poderoso. Da mesma forma, ter uma ideia já é afirmá-la por si só: a afirmação de sua veracidade será abandonada em prol da afirmação de outra mais clara e distinta, mas não devido a um suposto livre arbítrio.

Seguindo o conceito de conatus “os propósitos e intenções que realizamos, passiva ou ativamente, não são escolhidos por nossa vontade, mas exprimem a causalidade eficiente de nosso apetite e de nosso desejo” [7]. Isso significa que a vontade livre é uma ilusão, uma vez que nossos apetites e desejos são regidos pelo princípio de causalidade, assim como qualquer outro evento natural. Outra razão para que tal ilusão ganhe uma força descomunal é a que se refere ao fato de que nos focamos nos efeitos e ignoramos as causas: diz Espinosa que todos nós nascemos ignorantes das causas das coisas e que buscamos o útil, com a consciência dessa busca. Entretanto, pela ignorância das causas que os determinam a desejar algo, os homens se consideram livres, pensando que buscam uma coisa por a considerarem boa; e não o contrário. Na verdade, para Espinosa, os juízos de valor que formulamos, e, consequentemente, a ideia confusa de que buscamos algo pela influência desses juízos, designam o nosso conatus, ou seja, a nossa própria essência - que é desejo e apetite -, muito mais do que imaginamos. “Assim, um desejo cujo múltiplo condicionamento causal é ignorado é apreendido como um desejo incondicionado, o sujeito considerando-se como sua causa primeira e única.” [8]

Espinosa nos traz, porém, uma nova visão de liberdade, calcada em raízes deterministas (e não fatalistas), onde a determinação do sujeito deriva-se a partir de sua essência, ou seja: o sujeito ativo se autodetermina, regido pela razão e pelo intelecto, e age sem constrangimento. Voltando à crítica de Espinosa, concluiremos nossa breve análise com uma comparação entre a pedra e o homem:

Se a pedra lançada tivesse consciência do seu movimento, e da sua tendência a perseverar no movimento, julgar-se-ia livre, na medida em que ignoraria o impulso que produziu o seu movimento, que determinou de uma certa maneira a sua faculdade de estar em movimento ou em repouso. Do mesmo modo, aquele que na cólera, na embriaguez ou em sonho, crê agir livremente, é porque ignora as forças que o impelem contra a sua vontade. [9]

BIBLIOGRAFIA:

MOREAU, Joseph. Espinosa e o espinosismo. Tradução de Lurdes Jacob e Jorge Ramalho. Lisboa: Edições 70, 1982.

GLEIZER, Marcos André. Espinosa & a afetividade humana. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.

CHAUÍ, Marilena de Souza. Espinosa: uma filosofia da liberdade. São Paulo: Moderna, 1995. (coleção logos).

SPINOZA, Benedictus de. Ética. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.


[1] Ética, Livro I, proposição 32.

[2] MOREAU, Joseph. Espinosa e o espinosismo. Tradução de Lurdes Jacob e Jorge Ramalho. Lisboa: Edições 70, 1982. p. 46.

[3] GLEIZER, Marcos André. Espinosa & a afetividade humana. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. p. 8.

[4] CHAUÍ, Marilena de Souza. Espinosa: uma filosofia da liberdade. São Paulo: Moderna, 1995. (coleção logos). p. 63

[5] Ética, Livro III, proposição 7.

[6] CHAUÍ, Marilena de Souza. op. Cit.

[7] Ibid. p. 64

[8] GLEIZER, Marcos André. Espinosa & a afetividade humana. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005. p. 9.

[9] MOREAU, Joseph. op. Cit.

6 comentários:

- Hamony disse...

aaa, que orgulho esse menino u_u

Elis Vasconcelos disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Elis Vasconcelos disse...

Gostei do texto, apesar de não ter entendido sobre o "conatus"...rs

baci ragazzo
;***

tony disse...

Meu nome e Antonio carlos tenho 42 anos e concordo prenamente que o homem não tem livre arbitrio ,por que se o tivesse faria oque quisese ou determinasse ao seu beo praser exemplo claro disso estar na palavra de Deus a biblia sagrada tem um texto no qual se diz , qual e o homem que consegue almentar um covado ao curso natural de sua vida? logo vesse então que existe alguem supremo e soberano que estar no controle de tudo e de todos ,esse alguem nos o denominamos de Deus criador , e com isso eu afirmo que todos nos seres humanos somos dele sejamos bons ou mal pois ele criou tudo ,tudo foi feito por ele e para ele assim declara a sua palavra.
estas são apenas afirmações de um homem natural sem nunhuma formação ou graduação humana um homem que crer plenamente que Deus estar no controle de tudo e de todos.

Unknown disse...

Vai ler mais Spinoza Tony!!!!

Unknown disse...

Vim aqui pelo estudo da Proposição 32, cap. 1, da Ética. Venho estudando esta obra de modo lento e profundo e posso dizer que você fez uma bela síntese, além de usar uma linguagem acessível.

A questão mais espinhosa que você não abordou no texto, e que lhe desafio a fazer (rsrs) é: se a vontade do homem não é autodeterminada, podemos afirmar que a vontade dele (SEJA QUAL FOR) é na verdade a vontade de Deus?

Spinoza dá uma resposta, na verdade, mas ela acaba se baseando em suas próprias proposições, e, por definição, uma proposição apresenta-se enquanto dado inquestionável.

Ele também parece que permaneceu na dúvida quanto a essa questão, porque, apesar de refutar a existência de uma vontade ou de um intelecto de Deus na proposição 32, na proposição 17, escólio, ele afirma: "[...] o inteleto de Deus, enquanto concebido como constituindo a essência divina, difere do nosso intelecto, tanto no que toca à essência quanto no que toca à existência, e não pode em nada concordar com o nosso, a não ser no nome, que é o queríamos demonstrar. Quanto à vontade, procede-se da mesma maneira, como qualquer um pode facilmente ver."

Peraí... existe vontade de Deus ou não? E já que ela pode existir e ser totalmente de outra natureza, que natureza seria essa? Ainda não achei resposta dele.

Se você vai responder ou não depende de seu conatus, mas de qualquer forma obrigado pelo ótimo artigo!