domingo, 25 de janeiro de 2009

Psicanálise: uma teoria da psicologia no século 20



Uma breve nota sobre a psicologia científica

A psicologia enquanto um ramo da filosofia estudava a alma. A psicologia científica nasce quando, de acordo com os padrões de ciência do século 19, Wilhelm Wundt- fundador do primeiro laboratório de psicologia, onde realizou processos de controle experimental- preconiza a psicologia "sem alma". A psicologia como ciência surgiu na Alemanha, relacionada com os problemas da psicofísica. Os principais representantes dessa tendência são Ernst Heunrich Weber, Gustav Theodor Fechner, Hermann von Helmholtz e Wundt: todos inicialmente médicos voltados para o exame de questões relativas à percepção, e que estabeleceram critérios para generalizar e quantificar a relação entre as mudanças do estímulo e os efeitos sensoriais correspondentes.

Essa psicologia científica que se constituiu de três escolas- Associacionismo, Estruturalismo e Funcionalismo- foi substituída, no século 20, por novas teorias.

As três mais importantes tendências teóricas da psicologia "neste" século são consideradas por inúmeros autores como sendo o Behaviorismo ou Teoria (S-R) (do inglês Stimuli-Respond- Estímulo-Resposta), a Gestalt e a Psicanálise. É importante recordar, antes de partirmos para a questão dessa postagem -a psicanálise- sobre as dificuldades metodológicas das ciências humanas. Enquanto as ciências da natureza têm como objeto algo que se encontra fora do indivíduo que conhece, as ciências humanas têm como objeto o próprio sujeito cognoscente. Podemos portanto imaginar as dificuldades da economia, da sociologia, da psicologia, da geografia humana, da história para estudar com isenção aquilo que diz respeito ao próprio sujeito tão diretamente. Existe um grau de complexidade enorme, dificuldades referentes à experimentação, à matematização, à subjetividade e questões ligadas ao determinismo e à liberdade humana.

"Freud explica" é um dos grandes clichês do século XX. Mesmo quem nunca leu sequer um parágrafo dos mais de 20 livros do fundador da psicanálise já esbarrou com termos como complexo de Édipo, desejos reprimidos, inveja do pênis, símbolos fálicos, ego, id e superego. A figura do gênio de cabelos grisalhos, barba bem aparada, com seu sugestivo charuto e um olhar que parece penetrar nas profundezas da alma humana faz parte do inconsciente de nossa época. Mais de meio século após a sua morte o mundo ainda é freudiano. Seu estudo e obra é muito criticado atualmente principalmente por Sophie Freud, sua neta.


A PSICANÁLISE

É melhor deixar os escorpiões trancados na escuridão?

Em Psicanálise e teoria da libido, Freud declara que "Psicanálise é o nome: 1) de um procedimento para a investigação dos processos mentais mais ou menos inacessíveis de outra forma; 2) de um método fundado nessa investigação para o tratamento de desordens neuróticas; 3) de uma série de concepções psicológicas adquiridas por esse meio e que crescem juntas para formar progressivamente uma nova disciplina científica". Por conseguinte, a psicanálise é, antes de tudo, uma investigação dos processos inconscientes. Correlativamente, constitui um tipo de terapêutica centrada nas neuroses. Finalmente, constitui, constitui um tipo de saber reivindicando o estatuto de uma teoria científica da psique, uma "psicologia das profundezas" ou uma "doutrina do inconsciente psíquico" indispensável a todas as ciências que tratam da gênese da civilização humana e de suas grandes instituições, tais como a arte, a religião e a ordem social.

Sigmund Freud (1856-1939) foi um médico vienense que alterou, radicalmente, o modo de pensar a vida psíquica. Sua contribuição é comparável à de Karl Marx na compreensão dos processos históricos e sociais. Freud ousou colocar os "processos misteriosos" do psiquismo, suas "regiões obscuras", isto é, as fantasias, os sonhos, os esquecimentos, a interioridade do homem, como problemas científicos. O inconsciente, declarado por Freud, foi uma revolução na época, mas também foi alvo de severas críticas feitas por uma sociedade conservadora e incapaz de aceitar, pelo menos aparentemente, uma conduta sexual infantil. Para Freud a criança é um ser sexualizado. Outros problemas que surgem são os relativos à ética, pois se grande parte de nós é inconsciente e o consciente representa apenas a ponta de um iceberg, somos levados a aceitar que a razão é oposta ao inconsciente e, assim, somos levados a aceitar também que os valores, o dever e a autonomia moral são opostos a essa "quase totalidade" obscura do ser humano- como é possível se estabelecer uma moral se sabemos que uma grande parte de nós não é racional?. A razão, aqui, poderia ser entendida como uma ficção ou poder repressivo externo, incompatível com a autonomia. Esse pensamento coloca em dúvida a confiança no poder da razão: o fundamento do Iluminismo. A auto-determinação racional do homem seria dominada por forças inconscientes: "o sujeito é determinado por forças fora do seu controle"- as ações sexuais podem ser encontradas em todos os casos.

A psicanálise se originou no momento em que Freud substituiu os métodos então vigentes de tratamento das doenças nervosas- a hipnose e o método catártico- pelo método de "associação livre das idéias". Freud percebeu que nas sessões de tratamento em que o paciente não estava hipnotizado (ou seja, quando o paciente estava completamente consciente) e era estimulado a manifestar suas idéias, associando-as do modo mais livre possível, o paciente frequentemente alegava "falta de memória" (a respeito de sua vida emocional). Para Freud, entretanto, esta "amnésia" nada mais era do que o sinal de um conflito, na verdade, uma "resistência". Essa resistência à recordação era o sintoma de um "processo de defesa do eu", a fim de impedir o retorno de certas lembranças dolorosas mas, sobretudo, "perigosas": particularmente, as que se referiam a impulsos considerados socialmente inaceitáveis, tais como a crueldade e o egoísmo e, em especial, os impulsos de cunho ou natureza sexual. O falso pudor da sexualidade no século XIX é algo inacreditável. Freud, uma pessoa complicada segundo seus críticos e um neurótico segundo ele mesmo, parte, então, em busca dos acessos ao inconsciente: se a memória nos "prega peças" então há algum motivo.

Para ele o curso do desenvolvimento infantil é um conflito dinâmico entre duas forças antagônicas: o princípio do prazer (a partir do qual, de modo inconsciente a criança deseja sempre e crescentemente a obtenção do prazer sensível- lembrar aqui que sexualidade não é sinônimo de genitalidade) e o princípio de realidade (que é a impositividade do real, da sociedade com seus sistemas de defesa contra inimgos reais e/ou virtuais: esse princípio é representado, para a criança, através das relações de permissão/gratificação e proibição/repressão que se estabelecem entre seus pais e ela). Adota primeiramente, em 1990 no livro A interpretação dos sonhos, o modelo tópico no qual o aparelho psíquico é dividido em consciente, pré-consciente e inconsciente, mas entre 1920 e 1923, Freud remodela a teoria do aparelho psíquico e introduz os conceitos de id, ego e superego para referir-se aos três sistemas da personalidade.

O id é desde sempre. É onde se encontra a libido (a energia dos instintos sexuais e só deles). O Id é a estrutura da personalidade original, básica e central do ser humano, exposta tanto às exigências somáticas do corpo às exigências do ego e do superego.Contém tudo que constitui, desde o nascimento até o momento presente. É a parte unicamente instintiva (onde pulsões radicalmente contrárias soam como normais) e também onde as expressões psíquicas nos são desconhecidas. O bebê é puro id, não há uma distinção entre eu e mundo: "ele só quer se dar bem". Quando o bebê começa a se distinguir do outro, pelo princípio de realidade, forma-se o ego.

O ego é a parte de nós a qual fazemos referência e está na função de resolver os conflitos. Está em contato com a realidade externa e por isso é a instância cognitiva. O ego é uma formação a partir do id, na medida em que a pessoa toma consciência de sua própria identidade, pois antes, por exemplo, a criança não via uma distinção entre ela e o mundo, mas com as limitações impostas ela começa a fazer tal distinção. O ego protege o id, mas tira dele a energia para suas realizações. Como as pulsões do id são violentas, e ego regula as pulsões do id (tenta obter o controle das exigências dos instintos) e decide quais devem ser satisfeitos ou não. Essa ilusória pretensão (pois o id jamais descansa e a libido, de uma forma ou de outra, sempre escapa) tenta ser realizada pelo ego através dos mecanismos de defesa, no caso de serem pulsões que resultariam numa situação desprazerosa, tanto interna como externa.

O superego se desenvolve a partir do ego. O superego atua como um juiz ou censor sobre as atividades e pensamentos do ego, é o depósito dos códigos morais, modelos de conduta e dos parâmetros que constituem as inibições da personalidade. Freud descreve três funções do superego: consciência, auto-observação e formação de ideais. O superego é uma polícia interna e forma-se a partir do contato com o mundo (assim como o ego), sendo o último a se formar. Ele é a instância da censura, "a voz da razão". Configura, assim, todos os aspectos restritivos e proibitivos que obstaculizam a satisfação imediata do princípio do prazer, reclamado pelo id. O superego nos dá um papel ideal para que possamos assumir, por isso ele também tem uma função estruturadora.

Cabe ao ego, juiz esmagado por essas duas instâncias, a solução dos conflitos internos do indivíduo. É preciso ter pena do ego. Ele está dividido à serviço do id, do superego e das exigências do mundo externo. É um equilibrista. No indivíduo normal ou passavelmente neurótico, contudo, sobra ao ego habilidade para jogar com as forças tão discrepantes das pulsões, da censura do superego, da realidade externa. E ainda sobra habilidade para construir a vida, procriar, produzir a civilização e suas obras. Tenhamos pena do ego, mas respeitemos suas manhas.


A sexualidade infantil

Freud, em suas investigações na prática clínica sobre as causas e o funcionamento das neuroses, descobriu que a maioria de pensamentos e desejos reprimidos referiam-se a conflitos de ordem sexual, localizados nos primeiros anos de vida dos indivíduos, isto é, que na vida infantil estavam as experiências de caráter traumático, reprimidas, que se configuravam como origem dos sintomas atuais, e confirmava-se, desta forma, que as ocorrências deste período da vida deixam marcas profundas na estruturação da pessoa. As descorbertas colocam a sexualidade no centro da vida psíquica, e é postulada a existência da sexualidade infantil. Estas afirmações tiveram profundas repercussões na sociedade puritana da época, pela concepção vigente da infância como "inocente".

No processo de desenvolvimento psicossexual, o indivíduo, nos primeiros tempos de vida, tem a função ligada à sobrevivência, e, portanto, o prazer é encontrado no próprio corpo. O corpo é erotizado, isto é, as excitações sexuais estão localizadas em partes do corpo. Tal trajetória levou Freud a formular as fases do desenvolvimento sexual:

Fase oral (0 a 2 anos) - a zona de erotização é a boca e o prazer ainda está ligado à ingestão de alimentos e à excitação da mucosa dos lábios e da cavidade bucal. Objetivo sexual consiste na incorporação do objeto.

Fase anal (entre 2 a 4 anos aproximadamente) - a zona de erotização é o ânus e o modo de relação do objeto é de "ativo" e "passivo", intimamente ligado ao controle dos esfíncteres (anal e uretral). Este controle é uma nova fonte de prazer.

No decorrer dessas fases, vários processos e ocorrências sucedem-se. Desses eventos, destaca-se o complexo de Édipo, pois é em torno dele que occorre a estruturação da personalidade do indivíduo. Acontece entre 3 e 5 anos (aproximadamente), durante a fase fálica. No complexo de Édipo, a mãe é o objeto de desejo do menino, e o pai é o rival que impede seu acesso ao objeto desejado. Ele procura então ser o pai para "ter" a mãe, escolhendo-o como modelo de comportamento, passando a internalizar as regras e as normas sociais representadas e impostas pela autoridade paterna (surgimento do superego). Posteriormente, por medo da perda do amor do pai, "desiste" da mãe, isto é, a mãe é "trocada" pela riqueza do mundo social e cultural, e o garoto pode, então, participar do mundo social, pois tem suas regras básicas internalizadas através da identificação com o pai. Este processo também ocorre com as meninas, sendo invertidas as figuras de desejo e de identificação. Freud fala em Édipo feminino.

Fase fálica - a zona de erotização é o órgão sexual. Apresenta um objeto sexual e alguma convergência dos impulsos sexuais sobre esse objeto. Assinala o ponto culminante e o declínio do complexo de Édipo pela ameaça de castração. No caso do menino, a fase fálica se caracteriza por um interessse narcísico que ele tem pelo próprio pênis em contraposição à descoberta da ausência de pênis na menina. É essa diferença que vai marcar a oposição fálico-castrado que substitui, nessa fase, o par atividade-passividade da fase anal. Na menina esta constatação determina o surgimento da "inveja do pênis" e o consequente ressentimento para com a mãe "porque esta não lhe deu um pênis", o que será compensado com o desejo de ter um filho. Em seguida vem um período de latência, que se prolonga até a puberdade e se caracteriza por uma diminuição das atividades sexuais, isto é, há um "intervalo" na evolução da sexualidade. E, finalmente, na puberdade é atingida a última fase...

Fase Genital - E, finalmente, na adolescência é atingida a última fase quando o objeto de erotização ou de desejo não está mais no próprio corpo, mas em um objeto externo ao indivíduo - o outro. Neste momento meninos e meninas estão conscientes de suas identidades sexuais distintas e começam a buscar formas de satisfazer suas necessidades eróticas e interpessoais.


Com Copérnico, o homem deixou de estar no centro do Universo.

Com Darwin, o homem deixou de ser o centro do reino animal.

Com Marx, o homem deixou de ser o centro da história (que, aliás, não possuí um centro). Com Freud, o homem deixou de ser o centro de si mesmo.

(Eduardo Prado Coelho)


Bibliografia/ Fontes de consulta:

http://www.psiqweb.med.br/site/

http://www.fw2.com.br/clientes/artesdecura/REVISTA/Psicoterapia/teoria_sexualidade.htm

Filosofando: introdução à filosofia/ Maria Lúcia de Arruda Aranha, Maria Helena Pires Martins- 3. ed. revista- São Paulo: Moderna, 2003. pp.201-209.

Psicologia: uma introdução ao estudo de psicologia/ Ana Mercês Bahia Bock, Odair Furtado, Maria de Lourdes Trassi Teixeira.- 13. ed. reform. e ampl.- São Paulo: Saraiva, 2002. pp. 70-82.

Dicionário Básico de Filosofia/ Hilton Japiassú, Danilo Marcondes- 3ª ed. rev. e ampl.- Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.

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