sábado, 29 de novembro de 2008

Filosofia da Ciência


Idealismo Discursivo
Gaston Bachelard

"Ciência é uma ruptura com a ciência anterior"

Gaston Bachelard em "Idealismo Discursivo" traz ao debate o embrião de questões posteriormente tratadas em sua obra "diurna", a epistemológica, onde estuda a ciência de sua época frente aos abalos decorrentes das rupturas e reestruturações de suas bases, bem como defende um racionalismo aberto (solidário de correlações). Nesse ponto, sua crítica ao racionalismo e idealismo cartesianos se torna marcante.
A problemática é a de que "nenhuma idéia isolada traz em si a marca de sua objetividade", pois vê-se a importância da junção com uma história psicológica, que, por sua vez, indicaria como essa idéia chegou à objetividade. Não podemos partir de experiências baseadas somente em uma visão subjetiva ou objetiva (essa é a grande questão), pois não existe uma delimitação precisa entre sujeito e objeto. Em outras palavras, não há sujeito isolado e muito menos objeto isolado. É preciso entrar nesse processo de objetivação: construir o objeto a cada momento. A intuição cartesiana que nos oferece a certeza do cogito falharia nesse aspecto, pois, para Bachelard, reconhecer-se como sujeito puro e distinto seria tão difícil quanto isolar centros absolutos de objetivação. A objetivação é uma "objetivação sempre em perigo". Um indício primeiro não apontaria o caminho da objetivação, ou seja, nenhuma contemplação nos oferece uma idéia de imediato. É preciso algo a mais, pois a própria subjetividade é perturbada.
Pensar alguma coisa é fundamental para se pensar como alguém. Para Bachelard, é preciso afastar o erro e instaurar uma verdade nova, mas ter consciência do que é esse erro: um critério de verdade objetiva estabeleceria um critério de crença íntima. Portanto, a reflexão em cima da substância pensante, o cogito, deu a idéia clara e distinta a Descartes. O caminho foi uma reflexão e não uma intuição. O esforço de construção possibilita afirmar o cogito em um dado momento. Descartes pensa que o cogito é uma intuição, só que esquece que fez uma reflexão em cima do próprio cogito para afirmá-lo. Quando surge uma dúvida nós perdemos tudo novamente: a subjetividade (nós) e a objetividade (o mundo). Defende aqui o não uso de pólos absolutos na reconquista da consciência e da verdade objetiva, pois se o erro é aquilo que foi verdade um dia, a aproximação (ao invés da absolutização) revela-se como o caminho preferível. Descartes quer chegar a uma verdade absoluta: isso não é possível, pois a verdade é provisória (é um produto histórico) e a própria idéia possuí seu valor de acordo com o lugar que ocupa.
Bachelard busca definir como a subjetividade e a objetividade são "entidades" entrelaçadas por excelência, o que faria com que a observação de uma experiência tomada somente por um ponto de vista objetivo ou subjetivo se tornasse inútil; não apreenderíamos seu verdadeiro significado. Uma base sólida e uma verdade primeira (dadas pela intuição cartesiana) não garantem, necessariamente, a segurança sobre o processo de uma experiência. Negando um idealismo e realismo separados e defendendo uma correlação entre eles, Bachelard diz que precisamos oscilar entre objetivação e subjetivação, entre sujeito e objeto. Tão importante quanto pensar é ver a si próprio pensando, não sendo necessário dar "pulos" como no idealismo cartesiano.
Surge então uma das idéias centrais na epistemologia de Bachelard: a positividade do erro. A objetividade (sempre em perigo) precisa ser perdida para que sintamos o seu sentido, para que tentemos estabelecer correlações, trabalhando sob uma apercepção, ou seja, perceber que estamos percebendo. "A objetividade de uma idéia será tão mais clara, tão mais distinta quanto mais surgir de um fundo de erros profundos e diversos": o erro medirá esse critério de distinção, que é diferente do critério de clareza. Para Descartes, a idéia clara era também distinta e, assim, apreenderíamos a "intimidade" da idéia de uma vez por todas, como num "golpe" ou "salto". É impossível formular verdades objetivas pela intuição, defenderia o Bachelard "diurno".
É preciso polemizar o que já foi feito para depois instaurar uma novidade: "uma verdade só tem todo o seu sentido depois de uma polêmica". Isso é possível quando uma idéia objetiva é recolocada na "auréola das ilusões imediatas" e quando erramos, pois esses se mostram como caminhos importantes para se chegar a uma conclusão. Bachelard diz que devemos ir de encontro ao ponto para polemizar e que "não existe verdade primeira. Só existem erros primeiros". Aqui fica claro que o erro desempenha um papel fundamental: ele torna a experiência mais rica e quanto mais complexo ele for, melhor. Na filosofia anterior, a idéia de objetivação era pronta e acabada. Em Bachelard, a objetivação é um produto da reflexão, um produto do espírito e não uma contemplação. "A experiência é precisamente a lembrança dos erros retificados" e psicologicamente eliminados. A pureza se dá ao sairmos do engano.

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